Historicamente, os ensaios clínicos feitos em ratos utilizam principalmente ratos do sexo masculino. Acreditava-se que os ratos fêmeas não só tinham um comportamento mais errático, como um ciclo estrial (fase reprodutiva do animal a que se segue a ovulação) que os tornava menos constantes e mais difíceis de estudar. No entanto, um novo estudo publicado no Current Biology vem contradizer décadas de prática científica. Afinal, o ciclo estrial tem pouca influência no comportamento de ratos fêmeas e os machos agem de forma mais inconstante do que as fêmeas.
O estudo Mouse spontaneous behavior reflects individual variation rather than estrous state – ainda que não seja o primeiro a levantar a hipótese, segundo o New York Times – é mais robusto do que os anteriores. Para avaliar o comportamento dos roedores, utilizou-se tecnologia de sequenciação de movimento. Várias câmaras sofisticadas mapearam os movimentos de 32 ratos (16 de cada sexo) dentro de um balde grande durante 20 minutos, 15 dias seguidos.
Os ratos do sexo masculino manifestaram um comportamento menos previsível do que as fêmeas e verificou-se que, do ponto de vista hormonal, os machos também têm flutuações. Segundo o estudo, os machos estabelecem uma hierarquia de dominância em que os animais alfa demonstram dez vezes mais testosterona que os submissos.
Porque é que este resultado pode ser importante para os humanos?
Como é o caso noutras espécies, o sexo feminino tende a ser sub-representado em ensaios clínicos em humanos.
Nos Estados Unidos, diz um estudo de 2022 da Contemporary Clinical Trials, as principais causas de morte são as doenças cardiovasculares e o cancro. No primeiro caso, 49% dos doentes são mulheres, no segundo a percentagem é de 51%. Porém, em ensaios clínicos para doenças cardiovasculares, apenas 41,9% dos participantes são do sexo feminino. Quando falamos de testes para medicamentos de combate ao cancro, só 41% dos testados são mulheres.
O mesmo estudo também refere que, ainda que 60% das pessoas com doenças do foro psicológico sejam mulheres, estas representam apenas 42% dos participantes em estudos.
Segundo Rebecca Shansky, neurocientista e co-autora de Mouse spontaneous behavior reflects individual variation rather than estrous state, citada pelo New York Times, afirma que "algumas pessoas assumiam que utilizar o sexo feminino ia tornar os dados mais confusos."
Esta sub-representação do sexo feminino é problemática porque os “produtos médicos podem afectar homens e mulheres de forma diferente”, como explica a agência reguladora do medicamento americana (a Food and Drug Association - FDA).
O estudo de 2011 publicado na Acta Farmacêutica Portuguesa “Género masculino vs. feminino: factor relevante para as respostas farmacológicas e efeitos adversos de fármacos?” indica que as “directrizes da EMA (Agência Europeia do Medicamento) preconizam que as mulheres devem ser incluídas nos ensaios clínicos de uma forma representativa da sociedade onde se inserem com a devida prevalência em relação à doença para a qual o fármaco se destina”.
Porém, salvaguarda “a importância das diferenças entre género a ter em conta no acto de prescrição” e prevê que, no futuro, na prática clínica não se faça ajustes apenas com base no peso, mas também no género.
Nos Estados Unidos, só desde 1993 é que a participação de mulheres e de outras minorias em ensaios clínicos passou a estar na lei do país. A legislação "Mulheres e minorias como caso de investigação clínica" assegura que estas pessoas podem ser incluídas em ensaios clínicos, que os ensaios que os incluam devem ter em atenção se os medicamentos têm efeitos diferentes e que os custos monetários não podem ser uma razão para excluir mulheres e minorias.
O Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, impulsionadora da lei de 1993, a partir do ano seguinte, comprometeu-se a não apoiar financeiramente qualquer projecto que não cumprisse a política de inclusão.
Em 1977 a FDA criou uma guideline que aconselhava a exclusão de todas as mulheres com “potencial para engravidar” de testes clínicos. A medida surgiu em resposta à crise provocada pela talidomida, sedativo desenvolvido pela companhia farmacêutica suíça CIBA em 1953. O medicamento ganhou fama na Europa e no Canadá por aliviar os enjoos típicos da gravidez. No entanto, registaram-se casos de malformações à nascença em bebés cujas mães utilizaram o medicamento.