Cinema em Portugal: mulheres ganham menos e ocupam menos lugares de poder

Relatório preliminar do estudo A Condição da Mulher nos Sectores do Cinema e do Audiovisual em Portugal foi divulgado pela associação MUTIM - Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento.

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Daniela Ruah nas filmagens da adaptação de Os Vivos, o Morto e o Peixe Frito, do escritor angolano Ondjaki DR

As mulheres que trabalham no sector do cinema e do audiovisual em Portugal ganham menos do que os colegas homens, ocupam menos cargos de chefia, enfrentam mais entraves à progressão na carreira e são alvo de discriminação de género, de assédio e de racismo.

Estas são as principais conclusões do relatório preliminar do estudo A Condição da Mulher nos Sectores do Cinema e do Audiovisual em Portugal, revelados esta terça-feira, na véspera do Dia Internacional das Mulheres, pela MUTIM — Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento.

A associação criada em Abril do ano passado para debater e fomentar a igualdade de género no sector associou-se ao Centro de Estudos de Comunicação e Cultura da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa com o objectivo de levar a cabo aquele que dizem ser o primeiro estudo que estrutura e sistematiza “dados que incidem, nomeadamente, sobre o vínculo contratual, a remuneração, a condição perante a maternidade/paternidade, o grau de satisfação no desempenho da actividade, os níveis de stress/ansiedade, as percepções/vivências no local de trabalho e as representações identitárias nos conteúdos nacionais de cinema e audiovisual”.

O estudo estará concluído no terceiro trimestre deste ano, mas este relatório preliminar — ​o primeiro capítulo de um inquérito divulgado junto de trabalhadores/as, estruturas representativas do sector e várias empresas —​ “vem confirmar uma série de ideias sobre as disparidades de género nesta área”, diz ao PÚBLICO Mariana Liz, investigadora e porta-voz da MUTIM. A partir das respostas de 515 profissionais (363 mulheres, 143 homens e nove pessoas que se identificaram como não binárias ou preferiram não responder à questão), a maioria a viver na Grande Lisboa e com uma média de idades nos 38 anos, verifica-se que “há menos mulheres em cargos de chefia e nos escalões remuneratórios mais altos”.

Entre os respondentes que ganham até 14.999 euros anuais brutos, há 59% de mulheres contra 40% de homens, enquanto nos rendimentos acima dos 25 mil euros brutos contabilizam-se 31% de homens e apenas 15% de mulheres. A maioria dos profissionais, independentemente do género, trabalha a recibos verdes ou com contratos a termo, “mais uma prova da enorme precariedade que existe no sector”, nota Mariana Liz.

“Há um sentimento generalizado de progressão na carreira, mas mais nos homens: 70% contra 50% de mulheres”, assinala a investigadora. “Em parte, isto pode ser explicado pelo facto de haver mais homens que começam a trabalhar antes de concluir a formação, apontando para outra questão que também suspeitávamos que fosse verdade: que as mulheres precisam de mais acreditações para entrarem no mercado de trabalho.”

Paralelamente, há mais mulheres a interromper ou a abdicar da carreira por causa dos filhos: 60% contra 39% de homens. Mas “60% dos respondentes não tem filhos", o que a porta-voz da MUTIM acredita "ser indicativo das condições laborais no sector”.

No que toca a cargos de chefia, 66% dos inquiridos disseram que estes são ocupados maioritariamente por homens, que, segundo 61% das respostas, têm mais facilidade no acesso a este tipo de funções.

Quanto às questões de discriminação, 41% das mulheres respondentes afirmam já ter sido alvo de discriminação de género, 37% passaram por situações de assédio (sexual e/ou moral) no local de trabalho e/ou no desempenho de funções, 7% foram vítimas de xenofobia e 1,4% de racismo.

“Há um último resultado preliminar interessante: a maioria dos e das profissionais do sector reconhece que as narrativas produzidas e realizadas na actualidade não são plurais, ou seja, carecem de diversidade de género e de representação étnico-racial”, sublinha Mariana Liz. “E mais: dizem que recorrem com frequência a estereótipos quando há tentativas de representação.”

Segundo a porta-voz da MUTIM, lançar este estudo estava nos planos fundacionais da associação. “Há muitas percepções sobre estes temas, mas poucos dados concretos. Tê-los é fundamental para, por um lado, fazer um mapeamento do sector e, por outro, pensar no desenho de políticas públicas para promover a igualdade de género.”

As etapas seguintes da investigação passam por aprofundar os dados recolhidos neste inquérito, ampliá-lo e auscultar situações concretas de discriminação, através de grupos de foco e entrevistas individuais. “Este estudo vem complementar uma investigação académica que tem sido feita no cinema e no audiovisual em Portugal”, considera Mariana Liz.

“Poderá ajudar a que a palavra feminismo deixe de ser um tabu no sector. Da minha experiência como investigadora, muitas realizadoras começam sempre por dizer: 'bom, eu não sou feminista’, como se fosse uma palavra feia. Acredito que esta investigação pode ser um princípio de mudança.” Uma mudança que, defende, deve irradiar e multiplicar-se. "O cinema e o audiovisual chegam a muita gente, portanto a desconstrução de estereótipos e a criação de novas identidades nesta área é essencial."

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