O “smog de plástico” marinho aumentou dez vezes em apenas 15 anos

Em 2019, as partículas de plástico a flutuar nos oceanos atingiram 2,3 milhões de toneladas, segundo novo estudo. É preciso “um tratado das Nações Unidas muito forte” contra o plástico, diz cientista.

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A poluição marinha por plástico poderá aumentar 2,6 vezes até 2040 Marsa Alam/GettyImages

A cada ano que passa, a produção de plástico a nível mundial cresce. Parte desse material vai parar ao mar. Se em 2005 havia 16 mil milhões de partículas à superfície dos oceanos da Terra, equivalentes a 220.000 toneladas, em 2019 esses valores subiram para 171 mil milhões de partículas, ou 2,3 milhões de toneladas de plástico, de acordo com as estimativas de um artigo publicado nesta quarta-feira na revista PLOS ONE.

Ou seja, houve um aumento de mais de dez vezes no número de partículas de plástico em apenas 15 anos.

A nova investigação juntou informação de várias bases de dados sobre partículas de plástico a partir de amostras obtidas em 17.777 estações em seis regiões marinhas – Norte dos oceanos Atlântico e Pacífico, Sul dos oceanos Atlântico e Pacífico, oceano Índico e mar Mediterrâneo –, entre 1979 até 2019. Ao longo daquelas quatro décadas, o ano de 2005 marca uma viragem importante na situação da poluição por plástico, quando a quantidade de partículas inicia uma subida evidente, de acordo com o artigo.

“A quantidade de microplástico a flutuar nos oceanos do mundo está a aumentar rapidamente desde o início do milénio”, sublinha ao PÚBLICO Markus Eriksen, co-fundador do Instituto 5 Correntes (5 Gyres Institute), nos Estados Unidos, que estuda o impacto do lixo nos oceanos e faz parte do “movimento mundial contra a poluição de plástico”, lê-se no site da instituição. Além dos Estados Unidos, o artigo conta ainda com a colaboração de investigadores que trabalham em instituições na Austrália, no Chile e na Suécia.

Em 2014, um trabalho feito pelo instituto mostrava que havia 268.000 toneladas de plástico de todos os tamanhos a boiar no oceano. Nessa altura, parte dos dados foram obtidos durante expedições oceanográficas feitas pelo 5 Gyres Institute. Agora, o trabalho de campo feito pelo instituto também entrou na contabilização do plástico, mas a equipa só teve em conta pedaços de plástico com tamanhos entre os 53 e os 505 micrómetros.

“Durante muitos anos, arrastámos as nossas redes pela superfície do oceano. Não temos dados do plástico no leito do oceano, nem nas linhas costeiras. O nosso foco são os plásticos flutuantes”, explica Markus Eriksen.

A equipa de Markus chama "smog de plástico" a este tipo de pequenas partículas. “Inventámos este termo há quase dez anos. Fez sentido porque a maioria do plástico no oceano é microplástico, paira sobre os cinco sistemas de correntes marinhas subtropicais [no Norte e no Sul do Atlântico, no Norte e no Sul do Pacífico e no Índico] como se fosse uma nuvem gigante, e cada partícula carrega a sua própria toxicidade”, conta-nos o investigador. “É como se fosse a poluição do ar das grandes cidades.”

Monitorização e estimativas

O plástico no ambiente e mais especificamente nos oceanos é uma fonte de vários problemas. Por um lado, pode ser ingerido pelos animais e entrar nas cadeias alimentares. Por outro, além dos plásticos serem constituídos por diferentes tipos de compostos, alguns deles nefastos, este material pode reter à sua superfície substâncias poluentes com que esteve em contacto e que vão contaminar as águas marinhas.

Além disso, os microplásticos estão a infiltrar-se nos sistemas terrestres. Por serem tão pequenos, conseguem até penetrar na circulação, como já se provou em análises feitas a sangue humano. Mas os efeitos que vão ter na saúde ainda estão longe de serem totalmente compreendidos.

Os resultados agora obtidos por Markus Eriksen e o resto da equipa são mais uma confirmação daquilo que se tem vindo a perceber em relação à dimensão deste problema. E mostram a importância da monitorização a longo prazo dos sistemas terrestres. “Estas tendências ajudam-nos a compreender se as coisas estão a melhorar ou a piorar, e criam uma linha de base que permite avaliar como vamos estar no futuro”, explica o cientista.

Apesar da informação usada no artigo remontar a 1979, há muitas lacunas na informação. As amostras foram obtidas maioritariamente no norte dos oceanos Atlântico e Pacífico. Só a partir de 1990 é que os dados são mais consistentes e realmente globais.

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Microplásticos obtidos no rio Hudson, nos Estados Unidos 5 Gyres Institute

A partir dos microplásticos obtidos nas campanhas oceanográficas que foram sendo feitas ao longo das décadas, os investigadores inferiram com a ajuda da matemática o número total de microplásticos existentes à superfície dos oceanos em cada ano. Por isso, o que se obteve foram estimativas.

Por exemplo, para o ano de 2010, a equipa estimou um número mínimo de 56 mil milhões de partículas e um máximo de 70 mil milhões de partículas de plásticos, o que equivale respectivamente a 760.000 e 960.000 toneladas. Ou seja, para aquele ano a estimativa média é que existiam 63 mil milhões de partículas de plástico a flutuar no oceano, o que corresponderá a 860.000 toneladas de plástico.

Plástico à deriva

Apesar das lacunas nas amostragens e apesar da margem de erro que pode existir em qualquer estimativa, a informação obtida permitiu aos autores estabelecerem com segurança dois momentos na situação do plástico. De 1990 até 2005 não existe uma tendência específica na evolução da quantidade de plástico, mas de 2005 até agora, a quantidade de plástico aumentou.

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Pedro Guerreiro,Claudia Carvalho Silva,Carolina Pescada

Uma das razões para este súbito aumento pode estar associado ao crescimento da produção de plástico, que se foi acumulando. “O macroplástico mais velho que está à deriva ou preso nas linhas costeiras e nos rios continua a degradar-se e a fragmentar-se, contribuindo para a abundância dos microplásticos”, lê-se no artigo.

Mas há outra possibilidade. “As políticas internacionais para travar a poluição foram fortes nas décadas de 1980 e 1990", refere Markus Eriksen. Mas a partir desse momento a situação inverte-se, argumenta o investigador. “Vemos um aumento acentuado na poluição de plástico quando as políticas internacionais se tornaram fracas. Porque não são obrigatórias, são voluntárias, o que é um problema porque os países não cumprem os acordos”, diz Markus Eriksen.

Se aquelas políticas não forem alteradas, a quantidade de plástico a entrar nos oceanos pode aumentar 2,6 vezes entre 2016 e 2040, segundo um artigo publicado na Science que é citado no novo estudo.

“Necessitamos de um tratado das Nações Unidas muito forte contra a poluição do plástico”, afirma o investigador. “O tratado tem de ser juridicamente vinculativo e não voluntário, tem de se focar em limitar a produção de produtos de plástico que são usados uma única vez, como sacos, palhinhas, copos e garrafas. Não se deve focar na reciclagem ou na limpeza do lixo.”