Utilização sustentável da biomassa: uma estratégia em duas frentes

O que no verão é um rastilho para uma catástrofe e um perigo para os cidadãos e seu património, no inverno pode vir a ser uma arma contra a pobreza energética.

Os anos sucedem-se e, nos períodos de tempo mais quente, repete-se a aparentemente inexorável fatalidade que coloca vastos territórios do país em aflitivo debate com fogos capazes de tomar proporções aterradoras. Multiplicam-se então em catadupa as reportagens que dão a conhecer cenários dantescos nos quais vários hectares vão sendo reduzidos a cinzas, com avultados prejuízos patrimoniais e ambientais, aos quais lamentavelmente se somam as vidas que perecem no confronto com as chamas.

Os incêndios são, efetivamente, um drama real e presente permanentemente na vida de quem habita territórios rurais ou nas imediações de blocos de vegetação, capazes de tornar cada verão uma altura de tormento e constante sobressalto. Além disso, numa altura da nossa vida coletiva em que as temperaturas escalam ao ritmo desenfreado imposto pela batuta das alterações climáticas, cada verão mais quente até ao momento será, na verdade, o mais frio comparado com todos os que ainda teremos por diante e um motivo de preocupação menor do que aquele que o ano seguinte oferecerá.

Todavia, apesar de a mudança de estações permitir aliviar temores em relação aos incêndios, esta não configura por si só uma eliminação de todos os problemas que vão afetando, de forma mais particular, as populações que assentaram o lar fora das grandes malhas urbanas.

Num país em que a pobreza energética infelizmente ainda está embutida nas fundações de um número considerável de edifícios, o que se torna particularmente problemático quando estes se destinam a habitação, o inverno é para muitos insuportável. Nesta conjuntura delicada, será ainda mais difícil resistir a baixas temperaturas com a escalada de preços da energia que foi ameaçando fazer-se sentir desde que a invasão russa à Ucrânia se materializou.

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Nelson Garrido

É portanto desejável que possam ser encontradas soluções que respondam, da forma mais integrada, mais abrangente e mais transversal possível, aos problemas que afetam vincadamente um número significativo de portugueses. É igualmente desejável que estas sejam sustentáveis do ponto de vista económico, social e ambiental e que não percam, em cada momento, uma visão de futuro.

Neste sentido, se por um lado a limpeza das florestas e matas assume uma importância fundamental na prevenção de incêndios florestais e na garantia de que todos podemos ter verões mais descansados, por outro, estes resíduos orgânicos têm um potencial que não pode ser desprezado e que, pelo contrário, urge relevar e aproveitar.

Assim, a matéria orgânica retirada das matas - como ramos, pequenos troncos ou arbustos secos - pode vir a ser utilizada em centrais de biomassa, fomentando a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis. Adicionalmente, é possível aproveitar resíduos que seriam descartados, numa lógica de economia circular, que oferecem também, com assinalável versatilidade, soluções ao nível do aquecimento e dos biocombustíveis, importantes alternativas aos combustíveis mais poluentes.

A utilização de biomassa apresenta, deste modo, significativas vantagens, desde logo do ponto de vista da sustentabilidade ambiental, pela sua capacidade de renovação de forma contínua ou pela redução da emissão de gases de efeito estufa, designadamente quando substitui a utilização de combustíveis fósseis.

Do ponto de vista económico, a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis permite abates nas contas mensais e, em 2022, 7.5% da energia renovável produzida em Portugal teve origem na biomassa. Paralelamente, a criação de postos de emprego em zonas florestais pode ser alavancada neste âmbito, desencadeando um adicional desenvolvimento económico e social de regiões mais rurais.

No entanto, é fundamental que as centrais de biomassa, começando pelas já implementadas e licenciadas, cumpram a legislação em vigor, garantindo a sustentabilidade das matérias-primas que utilizam, evitando-se a queima de madeira saudável e o corte acrítico de árvores, em articulação com as organizações de produtores florestais e Autarquias locais. Não poderão, neste sentido, ser sobredimensionadas nem alimentadas à custa da exploração intensiva dos recursos florestais existentes, promovendo desequilíbrios nos ecossistemas.

Também devem ser objeto de reflexão as centrais acopladas a fábricas de celulose, que acabem por requerer mais biomassa do que a que essas mesmas fábricas têm capacidade de dispensar, estimulando desequilíbrios no mercado das madeiras. A localização das centrais também exige ponderação, no sentido de não se alojarem na proximidade de áreas protegidas ou residenciais.

O que no verão é um rastilho para uma catástrofe e um perigo para os cidadãos e seu património, no inverno pode vir a ser uma arma contra a pobreza energética, proporcionando conforto no interior de casas e espaços de trabalho ou de lazer, ao mesmo tempo que se assume como um instrumento de preservação do bem-estar do planeta.

Desde que sejam respeitados os ecossistemas, os seus recursos e todos os princípios de sustentabilidade, os resíduos florestais poderão desempenhar um papel importante na construção de benefícios para o contexto de várias comunidades locais, que serão tanto mais notórios quanto mais harmoniosa for também a simbiose entre autarquias e demais organismos do Estado, empresas e cidadãos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico