As novas técnicas genómicas precisam de um enquadramento legislativo
A domesticação de plantas iniciou-se há cerca de 10000 anos, no Próximo Oriente. Até ao século XX foi realizada essencialmente por cruzamentos e seleção, causando não apenas alterações profundas, que aumentaram a produtividade, mas que também permitiram a criação de novas espécies, como o triticale.
Um exemplo trivial de melhoramento são as bananas, frutos sem sementes, de consumo fácil e apelativo. As modificações foram particularmente notórias nos cereais, aumentando o número e tamanho dos grãos e reduzindo a capacidade de libertarem os frutos, o que facilita a colheita. A necessidade de alterar as plantas não é um capricho dos humanos, antes resulta de uma necessidade de alimentar uma população em constante crescimento, que atingiu recentemente os 8000000000.
Embora o melhoramento convencional ainda hoje seja muito usado, os avanços da genética e da biotecnologia agrícola colocaram nas mãos dos cientistas outras ferramentas que permitem modificar geneticamente as plantas de uma maneira mais precisa e eficaz. Assim, milhares de variedades das espécies mais cultivadas (arroz, milho e trigo) foram obtidas por mutagénese induzida, uma técnica que permite acelerar as mutações que ocorrem naturalmente e que são responsáveis pelo aumento da variabilidade genética.
Em meados dos anos 80 do século passado, surgiram as chamadas “plantas geneticamente modificadas”. Estas variedades, muito cultivadas em várias países, como Argentina, Bangladesh, Brasil ou Estados Unidos da América, tiveram um impacto muito reduzido na União Europeia devido a uma legislação muito restritiva (Diretiva 2001/18/CE).
Baseada no princípio da precaução, esta regulamentação impõe limitações, que tornam a utilização de variedades geneticamente modificadas praticamente impossível. Em si mesmo, o princípio da precaução é meritório (cautela e caldos de galinha...). Fundamentar a legislação num princípio é mais complexo. Já se imaginou o princípio da precaução aplicado à utilização de tratores? Tendo em conta as várias dezenas de mortes que anualmente se registam em Portugal envolvendo estes veículos, a aplicação deste princípio faria deles uma curiosidade tecnológica.
Alheia a princípios discutíveis, a ciência continuou a avançar e, já neste século, começou a aplicar-se ao melhoramento um conjunto de técnicas chamadas Novas Técnicas Genómicas (NGT do inglês New Genomic Techniques). As NGT modificam as plantas quer induzindo mutações mais precisas (mutagénese dirigida) quer através da manipulação dos genes da própria planta (cisgénese) sem a introdução genes de outros organismos (transgénese).
Infelizmente, em 2018, na sequência de uma ação interposta por uma associação de agricultores franceses, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), considerou que as plantas obtidas por mutagénese utilizando NGT deveriam ser avaliadas no âmbito da diretiva para as plantas geneticamente modificadas. As consequências para a ciência e a agricultura europeias foram devastadoras tendo, mais uma vez, deixado os cientistas e os agricultores europeus impossibilitados de utilizar tecnologias de ponta no melhoramento de plantas, ao contrário do que acontece com os principais parceiros comerciais da União Europeia.
Para ultrapassar este impasse a Comissão Europeia disponibilizou, em Abril de 2021, durante a presidência portuguesa, um estudo sobre o estatuto das NGT na legislação europeia e, na sequência do qual, foi feita uma audição pública a nível europeu sobre este assunto. Dos 2300 contributos, 61% indicaram que a análise de risco para as plantas obtidas por NGT deveria ser diferente daquela atualmente em vigor.
Parecem assim criadas as condições para uma alteração na legislação europeia que permita a utilização das NGT no melhoramento de plantas, e que foram recentemente (Fevereiro 2023) reforçadas por uma decisão do TJUE que considerou que às plantas obtidas por mutagénese in vitro não se deve aplicar a Diretiva 2001/18/CE.
Estes sinais devem culminar com um novo enquadramento legal para as NGT que permita à agricultura europeia tornar-se mais sustentável não apenas do ponto de vista ambiental, mas também socioeconómico, ajudando a cumprir os objetivos das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e os objetivos mais específicos do Pacto Ecológico Europeu e da Estratégia do Prado ao Prato. Abdicar destas modernas técnicas de melhoramento é desistir da nossa segurança alimentar bastante comprometida pela covid-19, pela guerra na Ucrânia e pelas alterações climáticas.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico