O que são PFAS? Quais são os riscos destas substâncias químicas “eternas”?

Um mapa europeu de zonas contaminadas por substâncias perfluoroalquiladas (PFAS) veio aumentar a preocupação com riscos para a saúde humana e ambiental. O que são as PFAS e o que pode ser feito?

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Embalagens alimentares podem conter PFAS, substâncias químicas que tornam o papel resistente à gordura Reuters/EVGENIA NOVOZHENINA

Um mapa que identificava mais de 17 000 locais na Europa contaminados por substâncias perfluoroalquiladas​ —​ conhecidas como PFAS ou, mais informalmente, como produtos "químicos eternos” — foi divulgado em Fevereiro, no mesmo mês em que a União Europeia anunciou a intenção de banir o uso destes compostos persistentes.

Intitulado Forever Pollution, este trabalho produzido por um consórcio jornalístico revela que as PFAS foram encontradas em águas, solos e amostras de organismos em vários países da Europa. Portugal surge neste documento com nove pontos relevantes de contaminação, distribuídos ao longo do território continental do Minho ao Alentejo, passando pela região de Lisboa. O que são as PFAS, por que razões são consideradas potencialmente nocivas e que riscos oferecem para a saúde humana e ambiental?

O que são as PFAS?

As substâncias perfluoroalquiladas (PFAS) constituem uma vasta família de substâncias químicas sintéticas utilizadas, desde o final dos anos 1940, em vários produtos e processos industriais. Trata-se de compostos persistentes, ou seja, que não se degradam com facilidade. Existem hoje milhares de PFAS, sendo que o número aproximado varia, conforme a fonte, entre 4700 e 10 000.

Estas substâncias existem na natureza?

Não, todas as PFAS são sintéticas. “É preciso muita energia para produzir estes compostos. Mesmo que procuremos em amostras de sedimentos ou gelo datados, não encontramos nada assim na natureza”, explica ao PÚBLICO Susan Richardson, professora do Departamento de Química e Bioquímica da Universidade de Carolina do Sul, nos Estados Unidos.

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As PFAS são substâncias químicas que conferem propriedades antiaderentes às frigideiras (e a outros utensílios) Rui Gaudêncio

Por que razões são chamadas substâncias químicas “eternas”?

A expressão “substâncias químicas eternas” advém de forever chemicals, como as PFAS são informalmente chamadas em inglês. Estes compostos não se degradam facilmente – daí a ideia de serem “eternos” –, persistindo nos solos, nos reservatórios naturais de água e nos próprios organismos vivos. Isto acontece porque apresentam ligações do tipo carbono-flúor, uma das ligações químicas mais fortes na química orgânica.

Onde são utilizadas?

As substâncias perfluoroalquiladas são utilizadas em variados produtos, equipamentos e processos industriais. Possuem propriedades físico-químicas muito interessantes, como a durabilidade e a capacidade de repelir o óleo e a água, além alta estabilidade térmica e química. Dessa forma, são muito usadas em utensílios de cozinha, têxteis anti-manchas, dispositivos médicos, produtos cosméticos ou de higiene pessoal, espumas de combate a incêndios, tintas e embalagens alimentares.

Quais são as consequências para a saúde humana?

Estudos publicados em revistas científicas sugerem uma relação entre as PFAS e determinados riscos para a saúde humana. “Muitas PFAS têm-se demonstrado tóxicas para a saúde humana. Várias [destas substâncias] têm sido associadas a vários impactes negativos para a saúde humana, incluindo níveis aumentados de colesterol, redução do peso do bebé à nascença, efeitos no sistema imunitário, risco acrescido de cancro e perturbação da hormona tireoideia”, refere um relatório publicado em Junho de 2022 pelo HBM4EU, um projecto financiado pela União Europeia.

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Quais são as principais vias de contaminação?

A água potável e os alimentos são considerados as principais vias de contaminação para a maior parte da população, refere o relatório do HBM4EU sobre PFAS. “As pessoas com maior risco de impactos adversos à saúde são aquelas expostas a altos níveis de PFAS e grupos populacionais vulneráveis, como crianças e idosos”, refere um documento da Agência Europeia para o Ambiente.

Grupos profissionais específicos terão um maior risco de exposição – é o caso de pessoas que trabalham em sectores directamente ligados à produção ou manuseio de PFAS. Militares que participem em treinos envolvendo espumas de combate a incêndios, por exemplo, também poderão ter um grau de exposição maior do que civis.

Quanto maior a exposição, maior o risco?

Sim. Os eventuais riscos dependem do grau e da frequência da exposição, uma vez que estas substâncias persistentes se acumulam no corpo humano. Assim sendo, seguindo o princípio de precaução, o ideal será limitar a exposição.

A cientista Susan Richardson recorda que todos nós já estivemos, de algum modo, em contacto com materiais ou ambientes nos quais as PFAS estão presentes. “Quase todos os humanos à face da Terra têm PFAS no sangue”, afirma Susan Richardson, que diz preferir a precaução ao pânico. Dos copos de papel descartáveis até ao papel higiénico, são inúmeros os produtos do nosso quotidiano que podem apresentar PFAS. Importa, na opinião da professora da Universidade da Carolina do Sul, procurar evitar produtos não essenciais que possam conter PFAS.

“Há um grupo canadiano que testou vários produtos conhecidos por conter PFAS – frigideiras antiaderentes, fio dental etc. No final, acabaram por perceber que as embalagens de pipocas para micro-ondas eram as piores [em termos de contaminação por PFAS]”, refere Susan Richardson. A cientista conta que agora prefere fazer explodir o milho na panela, à maneira tradicional, dispensando os pacotes forrados com substâncias persistentes.

É impossível limpar locais contaminados por PFAS?

Não, existem métodos para limpar águas contaminadas e remediar solos. Contudo, estes procedimentos são caros e sofisticados do ponto de vista técnico. Daí ser mais estratégico apostar na prevenção do que na despoluição. Tal como os microplásticos, uma grande parte das PFAS podem viajar longas distâncias e acabar por contaminar zonas onde nunca foram produzidas ou mesmo utilizadas em larga escala. Um estudo recente indicava, por exemplo, a presença de 26 tipos de PFAS no gelo oriundo de Svalbard, no remoto Árctico norueguês.

Que soluções estão a ser consideradas?

A União Europeia está, neste momento, a considerar banir as PFAS em 2026, ou no ano seguinte. A Alemanha, a Dinamarca, a Holanda, a Noruega (país que não faz parte da UE) e a Suécia já estão a redigir uma proposta. Este documento de trabalho prevê que as empresas tenham, após a entrada em vigor da proibição, uma janela temporal razoável para se adaptarem às futuras regras.

Quanto tempo as empresas terão para encontrar alternativas às PFAS?

Um intervalo entre 18 meses está a ser considerado, de acordo com a agência Reuters, para que os fabricantes encontrem “alternativas às mais de dez mil substâncias visadas”. Entre as empresas afectadas por estas possíveis novas regras estão nomes conhecidos como BASF, 3M, Bayer, Solvay, Merck KGaA e Synthomer.

“As PFAS são amplamente utilizadas em produtos de consumo para fins de conveniência - capas de chuva, têxteis, cosméticos etc. Estas devem ser eliminadas o mais breve possível. Mas, claro, pode haver sectores críticos e aplicações da indústria, para os quais uma transição do dia para a noite não é possível. A restrição proposta actualmente pelos Estados-Membros inclui uma importante lista de excepções (por exemplo, no sector médico), a fim de dar tempo à indústria para transitar da utilização destes materiais para alternativas mais seguras e sustentáveis”, explicou ao PÚBLICO Natacha Cingotti, líder para o programa de saúde e substâncias químicas da Aliança para o Ambiente e a Saúde (HEAL, na sigla em inglês), uma organização europeia sem fins lucrativos.

As prorrogações de prazos de que fala Natacha Cingotti compreendem, na sua maioria, um período entre 6,5 e 13,5 anos, “oferecendo tempo suficiente para a indústria se adaptar”, refere a responsável da HEAL, numa resposta enviada por e-mail.

É possível substituir todas as PFAS usadas hoje?

Não sabemos. Há aplicações que não são consideradas essenciais que podem ser substituídas por soluções diferentes, mas aceitáveis. O tratamento que permite às embalagens alimentares não ficarem gordurosas, por exemplo, pode passar a ser realizado com ceras. Contudo, existem aplicações médicas ou militares que talvez sejam de difícil substituição.

“Os militares dos EUA não conseguem encontrar um substituto adequado para as espumas de combate a incêndio com PFAS, apesar de muitas pessoas dizerem que há novas espumas. Até agora, qualquer um dos outros materiais foi considerado inadequado para fazer a supressão de incêndio no nível exigido pelos militares”, explicou ao PÚBLICO Mike Jones, um consultor independente com mais de 30 anos de experiência na indústria química norte-americana, numa videochamada.