Estudantes voltam com nova greve pelo clima. E estão inquietos com o custo de vida

Marcha convocada pela Greve Climática Estudantil está marcada para as 10h na Alameda, em Lisboa. Estudantes exigem fim aos combustíveis fósseis até 2030 e energia 100% renovável e acessível até 2025.

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Em Novembro, o movimento "Fim ao Fóssil: Ocupa" levou estudantes do Liceu Camões a fechar a escola a cadeado Ana Brigida

Nesta sexta-feira, o movimento climático volta a apelar a estudantes de todo o país para que faltem às aulas para se juntarem à Greve Climática Estudantil (GCE). A greve internacional foi convocada pelo movimento Fridays for Future, criado na sequência das “greves” iniciadas por Greta Thunberg – sempre à sexta-feira que galvanizaram milhares de jovens por todo o mundo.

Em Portugal, a Greve Climática Estudantil Lisboa responde ao apelo com uma marcha que terá início nesta sexta-feira, às 10h, junto ao metro da Alameda, em Lisboa. Depois de um percurso que passa pelas secundárias Filipa de Lencastre, Liceu Camões e Rainha D. Leonor, a marcha culmina com uma assembleia junto à secundária Padre António Vieira, em Alvalade, onde serão decididos os próximos passos do movimento – nomeadamente, quais serão as reivindicações das ocupações que estão agendadas para começar a 26 de Abril.

Em foco estão duas reivindicações centrais: o fim do investimento em combustíveis fósseis em Portugal até 2030 e energia 100% renovável acessível para todas as pessoas até 2025.

Para Ideal Maia, estudante da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, acelerar a transição para as energias renováveis é, além de imperativo, urgente. “Se não fizermos nada nos próximos sete anos e, em 2030, fecharmos subitamente [as fontes fósseis], as pessoas vão sofrer com isso”, diz Ideal. E reforça a alternativa: “Podemos aproveitar esses sete anos e fazer isto de forma gradual, que é a única forma de fazer de modo justo para as pessoas.”

Há ainda uma questão reforçada pela comunidade estudantil: ter electricidade renovável “não chega” – “tem de ser acessível e democrática”, reforça a porta-voz da acção.

Em Coimbra, os estudantes também saem à rua, com encontro marcado na Praça D. Dinis, às 10h. O manifesto local, que reivindica uma aposta em transportes públicos e o fim da "exploração animalesca", pode ser lido nas redes da CGE Coimbra.

No Porto, haverá uma reunião aberta às 18h30, no espaço A Gralha, com destaque para o debate sobre ecofeminismo.

Estudantes e professores aliados

Dinis Costa, de 16 anos, é outro porta-voz desta greve pelo clima. Conta ao PÚBLICO como tem corrido a preparação para esta greve: na sua escola, a Escola Secundária de Camões (mais conhecida por Liceu Camões), houve uma palestra na quarta-feira, além da colagem de cartazes e uma distribuição de flyers. O resto do trabalho é sobretudo passa-a-palavra, falando com amigos.

Houve também reuniões com a direcção da escola, que apoia os estudantes dentro dos possíveis: os alunos poderão faltar às aulas esta sexta-feira para se juntar à greve climática, “desde que os pais justifiquem as faltas”. Tendo por base o contacto com colegas de outros núcleos da GCE, Dinis relata que “a grande maioria” das direcções não apoia os estudantes no seu activismo pelo planeta. “Há algumas escolas em que nem sequer perguntaram”, diz, sobre as escolas onde o “não” tem sido a norma.

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Em Novembro de 2022, estudantes ocuparam quatro faculdades e duas escolas em Lisboa exigindo o fim do investimento do Governo em combustíveis fósseis Guillermo Vidal

No Liceu Camões, o núcleo de estudantes da GCE reúne-se semanalmente para debater as questões partilhadas pelos núcleos de outras escolas e faculdades, para decidir se concordam com as reivindicações, e avaliar o que poderia ser melhor. Também procuram organizar palestras com pessoas de diferentes organizações para poderem estar mais informados e “pensar criticamente” sobre os temas.

E não se ficam por aqui: têm ido, por exemplo, a manifestações pela luta dos professores, porque “está tudo interligado”. “Isto não é uma luta que se restrinja a nós”, sublinha o estudante do 11.º ano.

E alguns professores também respondem com solidariedade – pelo menos na experiência de Dinis. Por exemplo: o aluno está a preparar uma intervenção para esta sexta-feira, que será lida durante a marcha, e sabe que vai poder contar com a professora de Português, uma aliada do movimento, para lhe dar a sua opinião sobre o texto.

“Tem de ser a sociedade a parar os fósseis”

Cada vez mais, a Greve Climática Estudantil procura atrair outros grupos da sociedade para a sua acção em defesa do clima, batendo na tecla da justiça climática – a transição ecológica não pode ser feita sem justiça social.

Além da crise climática, o “enorme aumento do custo de vida” do último ano não fica de fora das preocupações dos estudantes, que defendem que “a origem das duas crises é a mesma: a ganância das empresas petrolíferas e do gás fóssil”, denuncia Ideal Maia.

“Tudo requer energia”, recorda a estudante de Física da FCUL. “Quando estas empresas aumentam os seus preços, tudo aumenta, desde as contas da casa à alimentação, porque em todos os passos da cadeia de abastecimento está a gastar-se energia.”

“A história que está a ser contada é que os aumentos são por causa das sanções à Rússia, mas a verdade é que os preços já estavam a aumentar antes”, recorda Ideal. “A subida drástica dos preços da energia foi resultado da ganância”, denuncia.

Na sequência das ocupações de escolas e universidades no final do ano passado, Ideal Maia descreve que o Governo “ignorou” o apelo dos estudantes e “continuou a proteger os interesses privados e a proteger os lucros dos accionistas”.

Apesar de continuar a haver abertura para diálogo directamente com a tutela, a activista acredita que “tem de ser a sociedade a parar os fósseis”, já que “o Governo é incapaz de o fazer”. “É por isso que agora tentamos apelar à sociedade para se juntar a nós.”

Desta forma, no final da marcha desta sexta-feira, a “assembleia de acção” será feita em duas partes.

Por um lado, uma parte da assembleia servirá para “concretizar como a sociedade se pode unir aos estudantes contra os fósseis”, descreve Ideal Maia. Por outro, a assembleia de estudantes definirá os moldes da nova vaga de ocupações de escolas e universidades a começar a 26 de Abril, que juntará vozes de diferentes núcleos de estudantes que têm reflectido sobre a experiência das ocupações de Novembro. Esta “assembleia de acção” culminará com a divulgação das reivindicações das ocupações previstas para 26 de Abril.