A análise das águas residuais diz muito sobre a saúde de uma comunidade – desde a circulação de microrganismos infecciosos até ao uso de fármacos, passando pela exposição a compostos tóxicos. Foi precisamente a estudar amostras provenientes de esgotos que uma equipa de cientistas, nos Estados Unidos, identificou uma “fonte inesperada” de substâncias perfluoroalquiladas (PFAS, na sigla em inglês): o papel higiénico.
“Os nossos resultados sugerem que o papel higiénico deve ser considerado uma potencial fonte importante de PFAS que entra nos sistemas de tratamento de águas residuais”, lê-se no estudo publicado, esta quarta-feira, na revista científica Environmental Science and Technology Letters.
As PFAS são compostos químicos que não ocorrem naturalmente no ambiente, tendo sido desenvolvidos devido às suas propriedades repelentes ou antiaderentes. São vastamente utilizadas em processos industriais, dispositivos médicos e produtos que usamos todos os dias nas nossas casas. Frigideiras que impedem a comida de colar ao fundo ou capas de sofá anti-manchas são exemplos de produtos que podem conter estas substâncias persistentes e potencialmente nocivas.
Os produtos de limpeza e higiene também são uma fonte de PFAS para o ambiente. Contudo, referem os autores no estudo, poucos cientistas consideraram até agora o papel higiénico como um veículo destas substâncias persistentes nas águas residuais.
“Alguns fabricantes de papel adicionam PFAS ao converter madeira em celulose, que pode ficar para trás e contaminar o produto de papel final. Além disso, o papel higiénico reciclado pode ser feito com fibras provenientes de materiais que contenham PFAS”, refere o comunicado de imprensa divulgado pela Sociedade Norte-Americana de Química.
Uma equipa de quatro cientistas da Universidade da Florida, nos Estados Unidos, decidiu então tentar compreender melhor a presença nos esgotos destes compostos transportados por papel higiénico.
Para o efeito, analisaram rolos de papel higiénico embalados provenientes de países nas Américas do Norte, do Sul e Central, em África e na Europa Ocidental. Também foram estudadas amostras de lamas de esgoto oriundo de oito estações de tratamento de águas residuais na Florida, nos Estados Unidos.
O objectivo consistia em extrair PFAS tanto das amostras de papel como das de esgoto, por forma a testar a presença de 34 dos mais de nove mil compostos que compõem a classe de substâncias perfluoroalquiladas.
“Os PFAS primários detectados foram os diPAPs – compostos que podem se converter em PFAS mais estáveis, como o ácido perfluorooctanóico, que é potencialmente cancerígeno. Especificamente, o diPAP 6:2 foi o mais abundante nos dois tipos de amostras, mas encontrava-se presente em níveis baixos”, refere a nota de imprensa.
Numa segunda etapa, a equipa cruzou os resultados encontrados com dados de outros estudos que apresentavam medições dos níveis de PFAS no esgoto e do uso per capita de papel higiénico em vários países. Os cientistas concluíram que o papel higiénico contribuiu com cerca de 4% de um tipo de PFAS (diPAP 6:2) nos esgotos dos Estados Unidos e do Canadá, 35% na Suécia e 89% na França.
Portugal não foi considerado na amostra, apesar de ser o país que mais consome papel higiénico por habitante no mundo, de acordo com um estudo divulgado pela empresa britânica QS Supplies.
Contactada pelo PÚBLICO, a investigadora Ana Belén Pereiro, que não esteve envolvida no estudo, explica que as estações de tratamento de água residual (ETAR) são consideradas um local comum de contaminação por PFAS. Isto porque confluem para estas unidades todas as águas resultantes das actividades domésticas e industriais de uma sociedade.
Se estas substâncias persistentes estão presentes no nosso quotidiano – dos produtos de limpeza aos cosméticos –, é natural que sejam drenadas por ralos e descargas e se concentrem nos pontos de tratamento.
“As ETAR são onde vão parar todos os produtos que nós usamos para limpar a nossa casa ou na nossa vida quotidiana. Muitas das águas industriais, onde utilizam sulfatantes e outros compostos, também seguem para as estações”, afirma a investigadora principal do Departamento de Química da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade de Lisboa, numa videochamada com o PÚBLICO.
A União Europeia está a considerar banir toda a classe das PFAS em 2026 ou, o mais tardar, no ano seguinte. Uma vez que se acumulam nos solos, nas águas e nos organismos vivos, podendo ter impacte na saúde humana e ambiental, Bruxelas considera importante eliminar gradualmente a produção e a utilização destas substâncias químicas “eternas”.