A Empresa Portuguesa de Águas Livres (EPAL) assegurou, nesta quarta-feira, que a água fornecida para consumo humano na região de Lisboa tem “excelente qualidade” e cumpre os parâmetros europeus definidos para as substâncias perfluoroalquiladas (PFAS, na sigla em inglês), também conhecidas como produtos químicos “eternos”.
Estas substâncias persistentes podem ser tóxicas e estão presentes numa miríade de produtos – dos têxteis aos utensílios de cozinha, passando por dispositivos médicos e de combate a incêndios. Como não se degradam facilmente, acumulam-se em solos, águas e seres vivos.
A EPAL divulgou um comunicado de imprensa em reacção a uma notícia da SIC que, segundo o documento, apresentava “um alarmismo infundado”. A peça, publicada na terça-feira à noite, refere que a “EPAL utiliza água contaminada da Valada do Tejo para consumo em Lisboa”, baseando-se num mapa europeu de contaminação por PFAS, divulgado no dia 22 de Fevereiro por um consórcio investigativo.
“Resultados analíticos evidenciam o cumprimento dos valores paramétricos de PFAS (compostos perfluoroalquilo e polifluoralquilo) definidos na Directiva Europeia, comprovando a excelente qualidade da água fornecida pela empresa”, refere o comunicado da EPAL.
A EPAL afirma que a qualidade da água fornecida “em alta” aos municípios e distribuída aos consumidores directos na cidade de Lisboa é garantida “através da análise de mais de 25.000 amostras de água por ano”.
“Estas amostras são colhidas em cerca de 1500 pontos de amostragem representativos de todo o Sistema de Abastecimento da Empresa nas quais são realizadas mais de 300 mil análises para verificar o cumprimento dos requisitos legais aplicáveis”, afirma o documento.
O que prevê a directiva europeia?
Contactada pelo PÚBLICO, a investigadora Ana Belén Pereiro, especialista em compostos fluorados, explica que actualmente a Directiva (UE) 2020/2184 prevê apenas a monitorização de 20 tipos de PFAS, entre as mais de nove mil existentes. Este diploma debruça-se sobre a qualidade da água para consumo humano nos países-membros.
“Sei que a EPAL está totalmente equipada para conseguir monitorizar estes compostos. De momento, não é obrigatório. Há o [valor] máximo, que é o somatório de todas as PFAS [monitorizados na União Europeia] – controlavam 20 e, agora, vão passar a controlar 24”, afirma a investigadora principal do Departamento de Química da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade de Lisboa, numa videochamada com o PÚBLICO.
Ana Belén Pereiro afirmou estar “convencida” de que, com “as novas restrições europeias, as PFAS vão ser monitorizadas” de forma ainda mais apertada. Por uma questão de precaução, a União Europeia está a considerar banir as PFAS em 2026 ou, o mais tardar, no ano seguinte.
Efeitos das PFAS na saúde humana
Os PFAS são compostos sintéticos com diversas aplicações, estando presentes em copos de papel descartáveis, frigideiras antiaderentes, têxteis capazes de repelir a água, tintas, espumas de combate a incêndios e até no papel higiénico.
Por outras palavras, as PFAS estão um pouco por toda a parte e, de algum modo, todos nós já estivemos em contacto com estas substâncias persistentes. Uma vez que se acumulam nos solos, nas águas e nos organismos vivos, importa limitar a concentração e a exposição por uma questão de saúde pública e ambiental.
Estas substâncias “eternas” estão associadas não só a riscos ambientais (poluição das águas e dos solos), mas também de saúde humana. Diferentes estudos sugerem que a exposição às PFAS, seja por inalação ou por ingestão, está relacionada com doenças ou problemas de saúde, incluindo o cancro, o colesterol alto e a diminuição da eficácia de vacinas em crianças.
Intitulado Forever Pollution (poluição eterna, em português), o trabalho do consórcio investigativo, noticiado na quinta-feira pelo PÚBLICO, revelava que estas substâncias tóxicas foram encontradas em águas, solos e sedimentos de vários países da União Europeia e do Reino Unido. Portugal surge neste documento com nove pontos de contaminação, sendo a freguesia de Muge (próxima à zona de Valada do Tejo) um deles.
Em Muge, a amostra analisada não se refere à água para consumo humano, mas sim de biota, ou seja, organismos recolhidos nas águas locais (peixe, neste caso). A amostra em causa indicava o valor muito elevado de 3200 nanogramas de PFAS por quilo.
“Normalmente, as pessoas que estão a viver ali não estão a beber a água de onde fizeram esta amostra. A concentração pode ser pontual. É quase impossível saber sem serem analisadas as águas [potáveis] para saber se há estas concentrações. Mas que a concentração da água que as pessoas estão a beber tenha esta concentração [de 3200 nanogramas], eu duvido”, afirma Ana Belén Pereiro ao PÚBLICO.