Alunas estão a ser envenenadas no Irão por quem quer “encerrar escolas”

Regime admite finalmente envenenamentos, que já afectaram pelo menos 650 estudantes em liceus de várias cidades. Declarações contraditórias alimentam a confusão e as teorias sobre os ataques.

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Cortar o cabelo tornou-se um acto de solidariedade com as iranianas DILARA SENKAYA/Reuters

O primeiro caso foi conhecido em Novembro, quando 18 alunas ficaram doentes – as descrições do que aconteceu na Escola Técnica Nour de Qom, a cidade santa xiita do Irão, a sul da capital, referiam que um gás tóxico tinha sido libertado no liceu e falavam de estudantes com náuseas, tonturas, taquicardia, letargia e dificuldades respiratórias. Desde então houve mais de uma dezena de ataques contra escolas secundárias e pelo menos 650 estudantes envenenadas. Depois de um longo silêncio, o procurador-geral anunciou finalmente uma investigação, admitindo indícios de “actos criminosos e premeditados”.

“Foi descoberto que algumas pessoas querem ver todas as escolas encerradas, especialmente as escolas de raparigas”, afirmou no domingo o ministro-adjunto da Saúde, Younes Panahi, citado pela agência Fars, ligada aos Guardas da Revolução. Só que no mesmo dia Panahi veio dizer que tinha sido “mal citado”, aumentando ainda mais a confusão em redor destes ataques. Apelando à calma, o membro do Governo sublinhou que "as alunas não precisam de qualquer tratamento invasivo” e esclareceu que os “agentes químicos” identificados “não são de uso militar e estão disponíveis ao público”.

O longo silêncio das autoridades levou ao surgimento de várias teorias, incluindo a de que o próprio regime estaria por trás dos ataques, visando castigar escolas onde as alunas se tinham manifestado contra o regime.

Desde Setembro que as autoridades enfrentam protestos inéditos a exigir o fim da República Islâmica, uma revolta iniciada com a morte de Jina Mahsa Amini, jovem de 22 anos detida pela “polícia da moralidade” por uso incorrecto do hijab (véu islâmico) que as iranianas são obrigadas a usar em público. Como noutras alturas, a contestação depressa chegou às universidades, mas também aos liceus: entre as pelo menos 522 pessoas mortas nos protestos, há dezenas de adolescentes, incluindo alunas do secundário atacadas dentro das escolas por forças de segurança e milícias leais ao regime.

A maioria dos ataques tem acontecido em Qom, uma cidade-santuário para os xiitas, o ramo do islão da teocracia iraniana e centro de estudo religiosos do país. Só em Qom há relatos de centenas de casos, para além de 82 alunas hospitalizadas em Borujerd, no oeste do país, “ataques isolados em Qazvin [noroeste] e em várias outras cidades do país”, descreve o canal de televisão Iran International.

O jornal saudita Arab News acrescenta que as suspeitas apontam que as estudantes de Bourjed tenham sido envenenadas com monóxido de carbono e escreve que “casos semelhantes têm sido registados em mais de uma dúzia de escolas em quatro outras cidades, incluindo Teerão".

“Isto é uma guerra”, disse uma mulher que participou num protesto, no dia 14, diante da sede do governo regional de Qom. “Eles querem que as raparigas fiquem em casa.” Um vídeo gravado dentro de um hospital e partilhado nas redes sociais mostra uma adolescente deitada: “Queridas mães, eu sou mãe e a minha filha está numa cama de hospital”, diz uma mãe ao lado da filha. “Belisco-a, mas ela não sente nada. Por favor não mandem as vossas filhas para a escola.”

Outras teorias, sugeridas por actuais dirigentes e deputados iranianos, e por ex-membros do governo, apontam para o envolvimento de extremistas decididos a imitar grupos que atacam a educação das raparigas noutros países: os taliban, do Afeganistão, ou o Boko Haram, da Nigéria. Esta possibilidade tem alimentado críticas às autoridades, que alegadamente não quererão enfrentar estes radicais; um deputado eleito por Qom veio, entretanto, garantir que esta teoria não se apoia em quaisquer provas.

O relato de uma rapariga numa reunião com o governador de Qom, citado pela BBC, mostra bem como os responsáveis iranianos têm contribuído para a especulação, com declarações enganadoras. Na polícia, “eles disseram-nos: ‘Está tudo bem, estamos a fazer a nossa investigação'. Mas quando o meu pai perguntou na minha escola, eles disseram-lhe: ‘Desculpe, mas as câmaras de segurança têm estado em baixo e não podemos investigar isto'”, descreveu a aluna, que contou ter sido envenenada duas vezes.

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