Concurso para mosteiro de Santa Clara-a-Nova põe em risco bienal de arte contemporânea de Coimbra
Permanência da Anozero é um factor de majoração, mas o presidente da Câmara de Coimbra reconhece que as candidaturas terão de ser aceites mesmo que nenhuma inclua a bienal.
O concurso para o Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, em Coimbra, no âmbito do programa Revive, assume a permanência da bienal de arte contemporânea como factor de majoração e não como condição, mas o município garante que a Anozero não será posta em causa.
O presidente da Câmara de Coimbra, José Manuel Silva, anunciou na segunda-feira que será lançado pela primeira vez o concurso para o Mosteiro de Santa Clara-a-Nova – inscrito na lista do património associado ao Revive desde 2016 –. monumento que é também o principal palco da bienal de arte contemporânea da cidade, a Anozero.
No anúncio, o autarca eleito pela coligação Juntos Somos Coimbra (PSD, CDS-PP, Nós, Cidadãos!, PPM, Aliança, RIR e Volt) referiu que o concurso prevê uma valorização da pontuação no caderno de encargos "para a melhor compatibilização do Revive com a continuação da utilização do imóvel no âmbito da bienal de arte contemporânea de Coimbra".
Luís Carlos Antunes, director do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC), uma das entidades responsáveis pela bienal, considera que a formulação não assegura a continuidade da Anozero em Santa Clara-a-Nova. "A continuidade da presença da bienal de arte contemporânea era, julgávamos nós, a condição a partir da qual se pensaria a reabilitação do mosteiro; e o que agora se propõe", observou esta terça-feira à Lusa, "é a presença da bienal como possibilidade facultativa e não obrigatória, correspondendo a opção pela sua presença a uma majoração das propostas que assim o queiram".
Sugerindo que "a arte contemporânea pode ser um tema muito forte num programa diferenciador para um hotel naquele lugar", este responsável diz ter "a profunda convicção de que o bom senso prevalecerá" e será encontrada "uma solução que sirva os interesses da bienal". Carlos Antunes sublinha ainda que vários artistas internacionais aceitam vir à Anozero "essencialmente pela possibilidade de mostrar o seu trabalho naquele espaço que consideram único".
Questionado pela Lusa, José Manuel Silva afirmou que "a bienal nunca estará em causa" nos moldes do actual concurso. "Os vários promotores com quem falámos estão todos interessados na inclusão da bienal no processo, porque a existência da bienal associada ao futuro hotel de cinco estrelas é uma mais-valia bidireccional", sustentou.
No entanto, admite que no caso de nenhuma proposta apresentar a permanência da bienal naquele mosteiro, estas não poderão ser rejeitadas por esse motivo e "terão de ser aceites".
Porém, José Manuel Silva tem "a confiança máxima de que não haverá qualquer problema" no que respeita à inclusão da Anozero, e realça que a alternativa "seria deixar o mosteiro a continuar a degradar-se, ao ponto de um dia nem poder dar para a bienal" continuar a realizar-se lá.
"Não é alternativa para nós que o convento se continue a degradar e que esteja desaproveitado relativamente ao potencial que tem para a cidade, mas também em termos turísticos e de hotelaria", asseverou, salientando que a majoração pela inclusão da bienal "é muito significativa".
Em Novembro de 2018, a Câmara de Coimbra, na altura liderada pelo PS, aprovou (apenas com uma abstenção da CDU) uma proposta de colaboração com o Estado para a requalificação e aproveitamento turístico do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, no âmbito do programa Revive, prevendo então que uma parte do edifício ficaria afecta à Anozero.
A vereadora socialista Carina Gomes (hoje na oposição, mas que teve a pasta da Cultura no anterior mandato) recordou que, mesmo depois dessa decisão, "houve alguns investidores" interessados no mosteiro que abordaram o executivo para abdicar da bienal.
"Nós nunca abdicámos da bienal e, se o processo não avançou, foi porque preferimos bloqueá-lo, garantindo que, quando avançasse, a bienal teria um espaço", sublinhou, explicando que chegou a ser acordado qual o uso para todos os espaços do interior e exterior do edifício.
Carina Gomes estranha ainda que o presidente do município, que em Junho de 2022 defendia a bienal naquele espaço, aceite meio ano depois "uma solução em que a bienal passa a ser facultativa, passa a fazer parte da boa vontade ou falta dela de quem ganhar o concurso".
"Tenho dito que o presidente tem estado a destruir eventos culturais, mas aqui é muito mais grave. É um evento com uma visibilidade enorme, que é acarinhado, que é estruturante. Do meu ponto de vista, esta postura em aceitar este acordo vai matar a bienal", afirmou.