O ano do pensamento mágico do ministro do Ambiente
Há quem possa não ter reparado que o ministro do Ambiente foi em janeiro prestar declarações a uma audição sobre os preços de energia. Saído de um ano que viu o aumento exponencial dos preços de energia e o peso de uma crise de custo de vida, o ministro aproveitou a sua intervenção inicial para enaltecer as medidas do Governo, que, segundo ele, foram “robustas e abrangentes”.
Robustas poderiam até ter sido, não fossem quase sempre temporárias e com sabor a remendo. Se foram abrangentes não as sentimos no aumento dos preços da energia, no supermercado, na inflação e no custo de vida. Disse o ministro que este ano o preço da energia irá pesar menos na carteira dos portugueses. Esperemos bem que sim, porque já percebemos que há entre 660 a 680 mil pessoas a viverem em situação de pobreza energética severa e entre 1,8 milhões a três milhões de portugueses afetados pela pobreza energética em geral.
De forma organizada, o ministro elencou também as razões pelas quais os preços serão mais favoráveis em 2023. Em primeiro lugar, porque o Governo e o Regulador mobilizaram 4,5 mil milhões de euros para conter os preços da eletricidade em 2023. É um valor usado para baixar as tarifas de acesso às infraestruturas privadas de eletricidade para os consumidores. Um valor que podia antes ser aplicado à crise de habitação ou ao Serviço Nacional de Saúde, caso as infraestruturas de acesso à energia fossem públicas – como eram antes da privatização da REN.
Mais, se a EDP também fosse pública, podia oferecer uma alternativa acessível aos preços de energia praticados pelas principais distribuidoras, que têm acumulado durante este ano de crise energética lucros na ordem das centenas dos milhões, como é o caso da Galp.
Em segundo lugar, porque o mecanismo ibérico, que é basicamente um instrumento que limita o preço do gás na produção de eletricidade, nos permite reduzir a despesa na eletricidade em 20%. Só que o mecanismo ibérico é temporário, como lembrou ao ministro a Comissão Europeia, que só quer que este dure até ao final de 2023.
E, entretanto, o Governo português insiste na efemeridade das medidas que toma para combater a inflação que ao início dizia ser também temporária. Se foi por causa do mecanismo ibérico que os preços da energia não se tornaram absolutamente esmagadores, isso não impediu que eles subissem ao ponto de termos em mãos a crise de custo de vida que agora vivemos.
Em terceiro lugar, porque o Governo português foi tão inteligente ao apostar nas energias renováveis que não está tão dependente dos mercados internacionais de energia como poderia estar. Mas, mesmo assim, insiste em criar uma maior dependência dos combustíveis fósseis e da energia estrangeira, quer através do contínuo empenho no Porto de Sines (que continua a quebrar recordes de importação de gás liquefeito), quer através dos planos para o H2Med, o gasoduto que é o “primeiro corredor de hidrogénio verde da Europa”. Um gasoduto que a princípio transportará gás e cujo objetivo tem uma viabilidade questionável, uma vez que Portugal não tem ainda capacidade para assegurar a produção a larga escala de renováveis para consumo doméstico, quanto mais para exportação de hidrogénio produzido a partir de renováveis.
Não sabemos se os preços realmente vão descer ou se as grandes fornecedoras de energia vão continuar a cobrar o mesmo enquanto acumulam mais lucros, como fizeram até agora. Mas a ideia de que a crise energética se resolve com medidas temporárias é uma fantasia. Este é o ano do pensamento mágico do ministro do Ambiente, que acha que com ajustes se cria uma política energética e climática firme. Daqui a um ano muito provavelmente voltaremos a estar aqui a falar do mesmo problema, apesar de já termos percebido que as soluções temporárias não respondem a problemas sistémicos.
Na campanha de Empregos para o Clima propomos uma abordagem holística à crise climática e à questão energética: um serviço público de energias renováveis que lidere a transição energética e garanta estabilidade à vida de quem trabalha. Um investimento que vem oferecer uma solução duradoura a um problema que certamente regressará em breve. E é precisamente porque este problema regressará que não podemos, como o ministro, depender só do pensamento mágico.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.