O “leite” vegetal faz bem? E é bom para o planeta?
Com um consumo crescente de bebidas vegetais, a reguladora norte-americana FDA quer um aviso nos “leites vegetais” que informe que estes podem ser nutricionalmente inferiores ao leite de vaca.
A agência reguladora dos Estados Unidos Food and Drug Administration (FDA) divulgou, na quarta-feira, uma directiva de orientação que recomenda que as alternativas lácteas como o leite de amêndoa, soja ou aveia informem que podem ter valores nutricionais inferiores aos do leite de vaca.
Os médicos também avisam que os leites de origem vegetal nem sempre são a escolha mais saudável, especialmente para crianças. Esta orientação da FDA surge num momento em que a oferta de lacticínios alternativos se vai alargando a uma variedade cada vez maior de frutos de casca rija, cereais e outras plantas, incluindo cocos, cânhamo, aveia, ervilhas, quinoa e arroz.
As vendas mundiais destes leites alternativos estão a crescer cada vez mais, impulsionadas, tanto pelas necessidades dos consumidores que têm intolerância à lactose, como pelo desejo de reduzir o impacto ambiental.
O que são leites alternativos?
Estas bebidas são feitas, geralmente, ao deixar um ingrediente de molho em água, muitas vezes depois de o torrar, podendo posteriormente ser branqueado ou deixado em vapor. Num processo chamado moagem por via húmida, adiciona-se água e o material é moído e depois filtrado.
Podem ser adicionados elementos extras, tais como estabilizadores, espessantes, adoçantes, aromatizantes, vitaminas e minerais, e o líquido pode ser esterilizado ao ser tratado termicamente. Finalmente, o líquido fica homogeneizado para que fique mais parecido com o aspecto e a textura do leite de vaca.
Com base no sistema de classificação frequentemente utilizado, conhecido como NOVA, desenvolvido por investigadores da Universidade de São Paulo, as bebidas vegetais inserem-se na categoria 3 de alimentos processados ou na categoria 4 dos ultraprocessados, enquanto o leite de vaca está na categoria 1 (alimentos não processados ou minimamente processados).
A União Europeia proíbe os fabricantes de leites alternativos de utilizar a palavra "leite" para comercializar os seus produtos, uma prática comum nos EUA. A indústria de lacticínios dos EUA tem insistido na aplicação das "normas de identificação" da FDA, que definem o leite como um produto bovino.
Contudo, os tribunais dos EUA decidiram que os leites alternativos não estão rotulados de forma incorrecta porque não são vendidos como leite verdadeiro. Os juízes afirmaram que os consumidores entendem que o leite de amêndoa, por exemplo, não é realmente leite.
Como correm as vendas destes leites alternativos?
O mercado global de leite de origem vegetal pode atingir quase 20 mil milhões de dólares neste ano (cerca de 18.883 mil milhões de euros), de acordo com uma projecção da consultora Future Market Insights.
A taxa de crescimento das vendas nos cinco anos anteriores foi de quase 8%, segundo a empresa de consultoria, que espera uma taxa de crescimento de quase 10% para os próximos dez anos.
Nos Estados Unidos, enquanto o volume de produtos à base de plantas cresceu, o do leite e derivados diminuiu.
Quantas pessoas são intolerantes ao leite?
Num estudo publicado na Lancet em 2017, os investigadores estimaram que cerca de dois terços das pessoas em todo o mundo não conseguem digerir ou digerir completamente a lactose, um açúcar presente no leite e nos produtos feitos a partir dele.
Isto deve-se geralmente a níveis insuficientes de lactase, uma enzima produzida pelo intestino delgado. Para quem tem esta condição, o consumo de leite pode resultar em cólicas, náuseas, diarreia, gases ou inchaço.
A intolerância à lactose é especialmente comum na Ásia, no Médio Oriente e em África, e menos na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Os leites feitos à base de plantas não contêm lactose, embora aqueles feitos de frutos secos e soja não sejam adequados para pessoas com alergias a esses alimentos.
Os produtores de leite têm introduzido versões sem lactose e com menos lactose nos seus produtos. Essas versões foram responsáveis por 7% das vendas de leite por volume nos EUA, em 2022. No entanto, as vendas de leites alternativos foram quase 1,6 vezes superiores.
Onde entra a preocupação ambiental?
Nos últimos anos, muitos consumidores têm afirmado que estão a tentar ter um impacto positivo no ambiente, incluindo através das suas compras, e a actual produção de leite tem algum impacto no planeta.
A questão principal é que, como parte do seu processo digestivo, as vacas emitem metano, um gás com efeito de estufa, principalmente através dos seus arrotos. Estima-se que o gado leiteiro seja responsável por cerca de 3% de todas as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) ligados à actividade humana.
Além disso, a decomposição do estrume nas explorações leiteiras pode poluir as fontes de água. Alguns consumidores também se preocupam com o bem-estar dos animais de criação, incluindo as vacas leiteiras.
Os produtores de leite de amêndoa e de arroz têm sido criticados pela quantidade de água necessária para o cultivo dos ingredientes principais dos seus produtos. Contudo, de acordo com a investigação do programa Food Sustainability Analytics, da Universidade de Oxford, a utilização de água na produção de leite acaba por ser significativamente maior.
Até que ponto é que as bebidas vegetais se aproximam do leite?
Depende do produto e da marca. Alguns especialistas dizem que as bebidas alternativas ao leite feitas de amêndoa e aveia são as que mais se aproximam do leite. Alguns dos ingredientes de base podem produzir um sabor ligeiramente diferente.
Isso importa menos quando, em vez de serem consumidos apenas como bebida, os leites alternativos são vertidos sobre cereais ou adicionados ao chá ou café. É assim misturado que a maior parte dos adultos nos Estados Unidos consomem o leite (cerca de metade das vezes que ingerem leite).
Como comparar nutricionalmente as bebidas vegetais com o leite?
Mais uma vez, varia. Mas, geralmente, são menos nutritivos. O facto de os leites alternativos conterem, por norma, menos calorias pode torná-los mais interessantes para quem se preocupa com o peso.
Tem-se verificado que as opções de soja têm níveis semelhantes de proteínas em relação ao leite, enquanto os de amêndoas, aveia e arroz têm níveis muito mais baixos. O leite de vaca também contém uma vasta gama de minerais e vitaminas que os seus imitadores nem sempre atingem.
Por esta razão, a Academia Americana de Pediatria pede às famílias que evitem, na sua maioria, outros leites feitos à base de plantas, além das opções de soja fortificada, a menos que haja uma necessidade médica. Há registo de casos de deficiências nutricionais graves que resultaram do facto de as crianças serem alimentadas exclusivamente com leite de origem vegetal.