Clima vai agravar conflitos entre humanos e animais selvagens
Há casos de animais que destroem plantações em busca de água e alimento. Estes conflitos entre a vida humana e selvagem tendem a aumentar por causa das alterações climáticas, indica estudo.
O conflito entre a vida humana e selvagem tende a agravar-se com as alterações climáticas, defende um artigo publicado nesta segunda-feira na revista científica Nature Climate Change. As conclusões do estudo sugerem a necessidade de identificar e prevenir situações de confronto entre humanos e animais selvagens, que resultam muitas vezes em perda de vidas e bens materiais.
O estudo inventaria casos em que, por exemplo, animais selvagens deambulam pelas imediações das aldeias em tempos de seca hidrológica, à procura de água e alimento. Há o exemplo dos tapires no México ou dos elefantes na Tanzânia, que acabaram por danificar zonas de cultivo e, por isso, foram abatidos. Ou ainda das baleias-azuis que, face ao aumento da temperatura das águas, podem sofrer alterações no padrão de migração e ficar mais expostas a colisões com navios.
“Os cientistas sabem há muito tempo que a mudança do clima está a afectar comunidades ecológicas e humanas isoladamente, mas agora estamos a ver como isso está a ter um impacte nas interacções entre as pessoas e a vida selvagem. As alterações climáticas – tanto por mudanças de longo prazo quanto por eventos climáticos extremos – já estão a aumentar os conflitos entre pessoas e animais selvagens em muitos lugares ao redor do globo”, explica ao PÚBLICO Briana Abrahms, primeira autora do estudo e professora da Universidade de Washington, nos Estados Unidos.
Briana Abrahms, juntamente com oito colegas, reuniu dados de conflitos climáticos presentes em 49 estudos de caso. Estes trabalhos analisados são representativos de dez ordens taxonómicas de animais, de cinco continentes e de todas as águas oceânicas da Terra. A Antárctida não está representada.
“[Esta análise] exigiu uma pesquisa global dos estudos publicados. A nossa recolha inicial reuniu mais de 2000 estudos, mas, desse total, apenas 49 atenderam aos nossos critérios de fazer uma ligação empírica entre a mudança climática e o conflito entre humanos e animais selvagens. Um dos desafios foi identificar padrões em espécies e contextos tão diferentes, mas foi fascinante descobrir que em lugares tão díspares, como o Árctico e a África, podíamos encontrar os mesmos padrões gerais”, afirma Briana Abrahms, numa resposta enviada por email.
O tipo de conflito sobre o qual esta equipa de cientista se debruçou envolve “interacções directas” entre humanos e selvagens, resultando em consequências negativas para uma ou ambas as partes. Entre os efeitos adversos destes confrontos estão a ocorrência de ferimentos, mortes, dados materiais e perda de meios de subsistência, refere uma nota de imprensa da Nature.
A análise desse material permitiu aos cientistas concluir que a escassez de recursos, agravada por factores climáticos, foi o mecanismo ecológico de amplificação do conflito mais referido na literatura científica seleccionada. Esta falta de recursos associada ao clima foi citada em mais de 80% dos estudos de caso.
As conclusões do estudo também destacam a alteração da distribuição espacial da fauna, um factor que figura em 69% dos estudos analisados. As consequências adversas mais frequentes consistem em ferimentos ou morte de seres vivos (humanos, em 43% dos estudos de caso, e animais selvagens, em 45%) e perdas relacionadas com a produção de alimentos (45%). Muitos dos artigos analisados envolviam comunidades desfavorecidas.
“Existem muitos estudos sobre os diferentes factores que contribuem para o conflito entre humanos e animais selvagens, por exemplo, vulnerabilidade económica ou atitudes em relação à vida selvagem, mas o nosso artigo mostra que o clima tem um grande impacte nesse tipo de conflito em muitas partes do mundo, embora seja um factor muitas vezes negligenciado”, afirma a professora da Universidade de Washington.
As alterações climáticas vêm adicionar uma nova camada de complexidade a estes fenómenos. Isto porque eventos como o degelo no Árctico ou um grande incêndio florestal na Europa, por exemplo, podem amplificar os conflitos uma vez que provocam alterações de comportamentos e distribuição geográfica tanto dos humanos como da vida selvagem.
Considerar conflitos na adaptação climática
À luz destes resultados, os autores pedem que as estratégias de adaptação climática não descurem este problema e que incluam medidas que minimizem estes confrontos entre a vida selvagem e humana.
“Mostramos neste estudo que as estratégias de adaptação ao clima devem considerar possíveis impactos nas interacções entre humanos e animais selvagens. Por exemplo, a conversão de terras para produção de energia verde pode inadvertidamente deslocar animais e forçá-los para áreas dominadas por humanos”, afirma a cientista.
O estudo de caso que mais surpreendeu a equipa foi o das ovelhas-azuis e dos leopardos-das-neves nos Himalais. “Era tão complexo que não dava para prever o resultado. Em resumo, o aquecimento do clima reduziu a vegetação para as ovelhas comerem nas altitudes elevadas, então elas migraram para zonas mais baixas, onde há aldeias, e começaram a comer colheitas”, conta a cientista.
As ovelhas não desceram sozinhas. Atrás delas, vieram os leopardos-das-neves, que atacaram os ovinos nas aldeias. “Isso levou ao aumento da matança retaliatória de leopardos. Portanto, a mudança climática levou a alterações no comportamento tanto de predadores como de presas, e ambas as coisas levaram a diferentes formas de aumento de conflito”, exemplifica Briana Abrahms.