Jornais americanos cancelam Dilbert devido a comentários racistas do autor
No YouTube, Scott Adams classificou a população negra americana como “grupo de ódio”, afirmando não querer “ter nada a ver com eles”. Jornais como o The Washington Post deixaram de publicar o cartoon.
A célebre, mas cada vez mais em queda livre, tira de cartoon Dilbert foi retirada de vários jornais americanos devido a comentários racistas proferidos pelo seu criador, Scott Adams. No seu canal de YouTube, na última quarta-feira, o cartoonista classificou a população negra americana como “um grupo de ódio” e apelou aos brancos para “desaparecerem da vista dos negros".
“Eu não quero ter nada a ver com eles. E, tendo em conta como as coisas estão, o melhor conselho que eu posso dar aos brancos é desaparecerem da vista dos negros, porque não há como consertar isto”, disse Adams. Foi assim que o cartoonista de 65 anos reagiu a uma votação divulgada pela Rasmussen Reports, segundo a qual 26% dos participantes negros não concordava com a expressão “é ok ser branco” (contra 21% que diziam "não ter a certeza"), uma frase popularizada em 2017 pelos trolls de extrema-direita americanos, recorrente no fórum online 4chan, conhecido como um viveiro do ódio e da violência racistas.
Scott Adams culpou ainda os negros por “não se focarem na educação” e afirmou estar “muito farto de ver vídeos de negros americanos a espancar cidadãos não negros”, naquilo que pode ser visto como uma piada de mau gosto sobre os vídeos que mostram precisamente a situação inversa, ou seja, brancos a agredirem negros.
No dia seguinte ao programa, multiplicaram-se os apelos nas redes sociais para se cancelar Dilbert na imprensa americana. Na sexta-feira, o jornal e empresa de media USA Today, detentora de mais de 300 publicações nos EUA, garantiu que iam deixar de publicar a tira de cartoon. Seguiu-se, no sábado, a mesma declaração por parte do The Washington Post.
“A MLive tem uma política de tolerância zero para com o racismo”, escreveu, por sua vez, um dos responsáveis do grupo MLive, que tem sob a sua alçada oito publicações com sede no Michigan. “Não vamos, certamente, gastar o nosso dinheiro com apoiantes [do racismo]." Sobre o caso, o Los Angeles Times, que nos últimos meses retirou por quatro vezes o cartoon das suas páginas por “violar os princípios” do jornal, publicou uma declaração a condenar os comentários “ofensivos” de Adams.
Cancelado
Dilbert começou a ser publicada em 1989, como uma sátira da América corporativa, das administrações das empresas e de todo ecossistema competitivo nos locais de trabalho, tendo como protagonista o engenheiro Dilbert. Celebrado e premiado no passado, o trabalho de Adams tem vindo a perder seguidores. A imagem pública do cartoonista está em declínio, com o próprio a fazer por isso. Desde a sua declaração de apoio a Donald Trump, durante a campanha presidencial de 2016, que Adams “se tem alinhado com pontos de vista cada vez mais extremistas”, escreve o The Washington Post.
Em 2020, argumentou que o programa de televisão Dilbert fora cancelado por ele ser branco, afirmando que era a terceira vez que perdia um trabalho por esse motivo. No ano passado, introduziu no cartoon a sua primeira personagem negra, intitulada Dave, o Engenheiro Negro, que usou para gozar com as políticas de diversidade nos locais de trabalho e com as pessoas transgénero. Pela mesma altura, fez um tweet a dizer que ia passar a identificar-se como uma mulher negra.
Sobre os seus comentários no YouTube, disse esperar “ser cancelado”. “A maior fatia do meu salário vai à vida na próxima semana”, afirmou. “A minha reputação vai ficar para sempre destruída.” Contactado pelo The Washington Post para prestar declarações mais pormenorizadas, Scott Adams enviou uma mensagem por escrito a dizer que “muita gente está zangada”, mas que ainda não viu “desacordo”, pelo menos “por parte das pessoas que levaram em conta o contexto”. “Houve quem tenha questionado os resultados da votação. Isso é justo.”