Este domingo, vai haver pelo menos três “batidas” à raposa, em Albergaria-a-Velha (Aveiro), Aljubarrota (Leiria) e Santiago de Montalegre (Santarém). Estes eventos, em que caçadores juntam-se para abater um determinado número de indivíduos desta espécie, são legais, mas o PAN está, novamente, a tentar fazer com que deixem de o ser.
Pouco mais de quatro anos após uma tentativa fracassada, o PAN voltou este mês a apresentar um projecto de lei que visa proibir a caça à raposa e ao saca-rabos. “Temos recebido diariamente manifestações contra esta prática, que põe em causa a reprodução da espécie”, diz ao PÚBLICO Inês Sousa Real, porta-voz e deputada do PAN.
“Os métodos bárbaros utilizados na caça a esta espécie têm mobilizado a sociedade civil a solicitar a abolição destas práticas, nomeadamente através de petições, com largos milhares de assinaturas”, lê-se no projecto de lei. O PAN insiste que em algumas destas “batidas” os animais são mortos à paulada. “A caça com pau continua também prevista na legislação portuguesa. Apesar das alegações de que não existe caça à paulada em Portugal, a verdade é que ela continua a ser promovida”, refere o documento.
Quem está do outro lado — não só caçadores, como agricultores e criadores de gado — defende que os paus só são usados para “fazer barulho” (a ideia é assustar as raposas, para elas saírem dos seus esconderijos e assim entrarem na linha de tiro dos caçadores) e garante que a caça ajuda a reduzir os danos causados pelos animais.
António Feijão, agricultor de 67 anos, diz ao PÚBLICO que as raposas (e também os javalis) comem muitos dos borregos paridos pelas suas ovelhas. Também estragam as suas plantações de milho, queixa-se ainda o residente em Mora (Évora).
Jacinto Amaro, presidente da Federação Portuguesa de Caça (Fencaça), afirma que, devido a factores como a doença hemorrágica viral dos coelhos, o coelho-bravo atravessa uma situação delicada em Portugal — o animal, nativo da Península Ibérica, encontra-se em perigo de extinção, segundo a classificação da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). O responsável diz que a pressão exercida pelas raposas, que predam esta e outras espécies, torna este quadro ainda mais delicado.
A função dos caçadores é “harmonizar as coisas, controlando” as populações de raposa, entende Jacinto Amaro — que defende que os caçadores não batem nas raposas com paus. Estes últimos, diz, serão usados só para bater em troncos ou arbustos. A ideia é “fazer barulho”, insiste. “Também (e diria até que sobretudo) usamos matracas e panelas. De vez em quando, utilizamos também aquelas bombinhas de Carnaval.”
O presidente da Fencaça alega que a “batida” à raposa é algo que tem vindo a cair em desuso — em parte por causa de um outro animal, o javali. “Há gestores de zonas de caça que precisavam de fazer mais ‘batidas’ e não conseguem: primeiro, têm de resolver a sua situação com os javalis, que está descontrolada”, diz, sem deixar de frisar que, na sua opinião, “deveria haver mais ‘batidas’”.
O PAN e grupos de ambientalistas discordam veementemente. “A caça à raposa não é suportada por evidências que demonstrem um excesso populacional”, diz ao PÚBLICO o Movimento pela Abolição da Caça à Raposa, alegando não existirem “estudos gerais com censos populacionais de raposa em Portugal”.
Muita emoção e pouca ciência no debate, acusam ambientalistas
Este grupo informal de pessoas preocupadas com o ambiente refere que “a discussão da caça à raposa tem um cariz muito emotivo e pouco científico”. “A raposa é uma espécie comum em Portugal continental, mas há muito que se desconhece. Quantas raposas há em Portugal? A partir de que número [de indivíduos] é que se define que a população está em excesso (ou em risco)? Estamos a conduzir de olhos fechados.”
Em 2017, os ambientalistas lançaram uma petição, pedindo a proibição do abate de raposas. Milhares de assinaturas depois, três partidos — o PAN, o Bloco de Esquerda e o Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) — viriam a apresentar projectos de lei nesse sentido. Todos seriam, no entanto, chumbados.
Agora, o PAN está a voltar à carga. O partido quer não só proibir a caça à raposa e ao saca-rabos, como também proibir a “caça com pau” e ainda a designada caça a corricão — feita com a ajuda de cães, que acossam os animais a caçar. A lei permite que sejam utilizados até 50 cães na caça à raposa a corricão.
A Lei de Bases Gerais da Caça refere no Artigo 94 que “a caça à raposa e ao saca-rabos pode ser exercida de salto, à espera e de batida, podendo ainda a raposa ser caçada a corricão e, em terrenos ordenados, no decurso de montarias”. Refere ainda ser “permitida a utilização de chamariz na caça à raposa”.
“A caça à raposa e ao saca-rabos pode ser permitida nos meses de Outubro a Fevereiro, inclusive”, sendo “permitido o uso de bala" na caça a estes animais “durante as montarias e batidas de caça maior realizadas em terreno ordenado”, acrescenta o documento, que inclui o pau como um dos meios permitidos de caça. “No exercício da caça e dentro dos limites fixados nos artigos seguintes apenas são permitidos os seguintes meios: a) Armas de caça; b) Pau; c) Negaças e chamarizes; d) Aves de presa; e) Cães de caça; f) Furão; g) Barco; h) Cavalo.”
“Há outras formas éticas de controlar as espécies ou garantir que elas não invadem o território ocupado pelos humanos. A solução não pode ser sempre resolver os nossos problemas a tiro”, refere Inês Sousa Real, sugerindo que uma maior utilização de cães de gado (medida que o PAN considera estar a ser eficaz para prevenir danos causados pelo lobo-ibérico) poderia, similarmente, evitar mais prejuízos atribuídos às raposas.
Relativamente a ocorrências em que as medidas de prevenção são insuficientes para impedir ataques, é essencial que se criem mecanismos para compensar as pessoas lesadas pelos danos, argumenta a deputada do partido.
João Moura, do PSD, um dos partidos que em 2018 votaram contra os primeiros projectos de lei, diz que os sociais-democratas mantêm a sua posição. O deputado afirma que, se a caça à raposa fosse proibida, provavelmente haveria uma multiplicação de actos que são “claramente ilegais” — como a colocação de armadilhas por parte de proprietários de terrenos agrícolas, “para [estes] se defenderem”.
“Isto é o que realmente devemos combater”, frisa João Moura, dizendo que “estas armadilhas tanto apanham um javali como podem apanhar cães ou até crianças”. “Elas são altamente perigosas.”
“Gritante conflito de interesses”
O Movimento pela Abolição da Caça à Raposa argumenta que “não há evidências” que possibilitem falar em “danos severos” causados por este animal. “Claro que a raposa pode provocar danos a proprietários de animais, mas é um canídeo de pequeno porte, que caça individualmente e nunca em grupo, alimentando-se sobretudo de roedores, aves, ovos, insectos e frutos. Não façam da raposa um monstro sanguinário.”
Os ambientalistas criticam o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Dizem que, para determinar as espécies que podem ser abatidas e em que número, este organismo serve-se da “comunicação dos próprios caçadores sobre possíveis avistamentos” de predadores. “Existe um gritante conflito de interesses”, com o ICNF a colocar nas mãos dos caçadores, que geram receita para o Estado e constituem um grupo “não isento e sem aval científico, o dever de zelar pela nossa fauna”, acusa o colectivo.
O grupo diz ainda que “a raposa está a ser caçada na mesma altura em que está em plena época reprodutiva”, o que é comprometedor. A raposa, lembramos, pode ser caçada entre Outubro e Fevereiro. “O período de acasalamento decorre de Dezembro a Fevereiro, nascendo as crias a partir de Março”, diz o Movimento pela Abolição da Caça à Raposa.
Ouvido pelo PÚBLICO, o ICNF começa por dizer que não prevê “a breve prazo” criar mecanismos que permitam a agricultores e criadores de gado serem indemnizados por danos atribuídos à raposa.
Questionado sobre se é verdade que ainda não foram feitos censos de raposa em Portugal, que poderiam dizer se a situação do animal é favorável ou precária (e que, portanto, poderiam ajudar a perceber se a sua caça deve ou não ser permitida), o instituto não responde de forma directa. Diz que “os predadores de topo, como o lobo ou o lince, encontram-se com populações residuais, não podendo, portanto, exercer o seu papel de controlo sobre os outros predadores generalistas e de menor grau, como a raposa e o saca-rabos”.
As populações de raposa “tendem a aumentar de forma descontrolada, não tendo predadores que exerçam sobre si um controlo eficaz”, continua o ICNF, que diz ainda que algumas das espécies que o animal preda enfrentam neste momento “problemas de conservação”. O “controlo exercido pelos humanos”, que fazem a vez dos “superpredadores”, “é benéfico”, descreve o organismo.
E quando se questiona se determina as espécies que podem ser abatidas com base naquilo que lhe é reportado por caçadores, o instituto diz apenas que usa “essa informação e a restante informação técnica e científica disponível”, sem se alongar mais.
No que toca à época de reprodução da espécie, o ICNF diz que esta estende-se “entre finais de Dezembro e Abril, ocorrendo o pico dos nascimentos no mês de Março, altura em que já não é permitida a caça à raposa”. Esta resposta parece não considerar o facto de até Fevereiro poderem ser abatidos animais gestantes.
O PS foi um dos partidos que em 2018 votaram contra a proibição da caça à raposa. Ouvido pelo PÚBLICO, Pedro Delgado Alves diz que “já lá vai algum tempo”. “Temos de ver qual é a situação real da raposa no momento”, afirma o deputado socialista, destacando que “o que se aplica numa parte do país pode não se verificar numa região diferente”.
Restringir a caça em áreas com um número baixo de raposas, mantendo as coisas como estão em partes do território onde elas continuem a ser numerosas, pode eventualmente ser uma ideia a estudar, diz — sem deixar de frisar que ainda é cedo para o PS ter uma posição já claramente definida sobre o assunto.