Eu sou jovem, tenho rendimentos médios e, por isso, olho incrédulo para os noticiários dos últimos dias.
Fiquei estupefacto com o que parece ser o surgimento repentino da ANCV – Associação Nacional dos Proprietários de Casas Vazias. Para os mais distraídos, esta associação conseguiu monopolizar a discussão pública sobre as medidas apresentadas pelo Governo para combater o problema da habitação numa só medida (das 17 apresentadas), a medida do arrendamento coercivo de casas devolutas.
Mas, fora das ironias, voltemos à vida da minha geração em particular e do povo em geral: na Área Metropolitana de Lisboa, o preço das casas aumentou 144% entre o ano 2000 e 2019. Em cinco anos, o preço por metro quadrado no distrito de Lisboa aumentou 35%, Porto mais de 80% e Braga mais de 75%. É assim criada uma enorme distopia social, funcional e económica nas cidades. Esta é uma realidade que mina a coesão de uma comunidade.
Portugal tem um parque de habitação pública/cooperativa que representa 2% do stock de casas. A média europeia é de 12%, na Holanda 30%, Áustria 24%, Suécia 19% e França 17%. Cidades como Viena e Amesterdão têm 60% e 40% da sua população em habitação pública. 16 países europeus têm controlo de rendas; Portugal é neste particular um dos países mais liberais da UE.
Portugal é o país desenvolvido da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) com mais casas por cada mil habitantes. Na Dinamarca, se um proprietário deixar um imóvel vazio sem utilidade mais de seis meses tem de informar o município para que este encontre um inquilino que o proprietário terá que aceitar. Em Amesterdão e na Irlanda existe o mesmo princípio com pesadas multas para quem não informar que o imóvel está disponível.
Perante tanto rasgar das vestes, perguntamo-nos: não existirá um problema de habitação em Portugal? Existe e é central na nossa comunidade. No entanto, quem sofre com esse problema vê os telejornais, não participa nos telejornais.
Nesta discussão não aparecem as Associações de Pessoas que Trabalham Mas Não Conseguem Pagar um T0. Estas associações são lideradas pela geração mais qualificada de sempre, a geração mais preparada de sempre, mas que não consegue ganhar o suficiente com o seu trabalho para viver numa casa "para si e para a sua família, uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. Este excerto começa com “todos têm direito” e não fui eu que inventei, está na Constituição da República Portuguesa no seu artigo 65.º.
Artigo 65.º que nunca mereceu histeria na sua defesa como merecem agora os proprietários que querem ter as suas propriedades vazias, sem utilidade, a longo prazo.
Eu acrescentaria mais umas quantas às 17 propostas apresentadas. Agravamento fiscal para as casas devolutas, maiores benefícios fiscais para arrendatários (para combater a informalidade contratual), maior fiscalização e penalização dos proprietários que apostem nessa mesma informalidade, medidas de combate à pobreza energética, apoio aos jovens para compra de casa própria, avaliação do impacto dos nómadas digitais no mercado habitacional mas para isso vou participar na consulta pública. Façam o mesmo.
Miguel Esteves Cardoso escreveu sobre este tema como Este lisboeta agradece. Aqui, é este jovem que agradece ao Governo o arrepiar caminho para fazer da habitação um pilar do estado social, um direito básico na nossa comunidade.