Cinco lições após um ano de guerra
Devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para pôr fim a este grande pesadelo geopolítico do século XXI.
Há exactamente um ano, em 24 de Fevereiro de 2022, a Rússia levou a cabo uma invasão armada da Ucrânia, destruindo a ordem pós-Guerra Fria. A segurança e a prosperidade construídas através dos esforços de várias gerações de europeus ficaram à beira do abismo. A Rússia embarcou numa conquista imperialista com um único objectivo: reconstruir a antiga esfera de influências soviéticas. Não importavam os custos nem as vítimas. Devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para acabar de uma vez por todas com este que é o maior pesadelo geopolítico do século XXI.
Qual é o ponto de situação hoje? Já passaram 12 meses da crueldade russa sem precedentes. Meses marcados por bombardeamentos regulares de escolas, hospitais e edifícios civis. Meses em que se contaram vítimas em vez de dias. Os russos não poupam ninguém – homens, mulheres, idosos ou crianças. Os genocídios em Bucha, Irpin e noutros lugares são provas chocantes de que a Rússia é capaz de cometer os piores crimes. Valas colectivas, câmaras de torturas, violações, raptos: esta é a verdadeira imagem do assalto russo.
Atrás ficou também um ano de grande heroísmo por parte do povo ucraniano que, sob a liderança de Volodymir Zelensky, enfrentou o império do mal russo. Um ano de fé, resistência e determinação. A Ucrânia luta hoje não só pela sua própria soberania, mas também pela segurança de todo o continente.
Como podemos pôr fim a esta guerra? O ano passado trouxe-nos muitas lições importantes que os países do Ocidente devem levar muito a sério se querem realmente viver em paz e segurança.
Lição 1: Esta guerra diz respeito a todos nós
Desde o início, temos de nos livrar de concepções erradas sobre a invasão russa. Não é um conflito local. A Rússia está a tentar incendiar a Europa. Estamos perante uma desestabilização da ordem económica mundial.
O ataque contra a Ucrânia faz parte de um plano há muito concebido que Putin tem vindo a implementar há pelo menos uma década. Já em 2008, na altura da invasão russa da Geórgia, o Presidente Lech Kaczyński alertou: "Sabemos muito bem que hoje é a Geórgia, amanhã a Ucrânia, depois de amanhã os países bálticos, e depois talvez seja a vez do meu país, a Polónia." As palavras deste aviso tornaram-se realidade mais depressa do que a Europa poderia ter imaginado. Seis anos mais tarde, em 2014, a Rússia levou a cabo a anexação da Crimeia. E hoje estamos todos a assistir a uma agressão de guerra em grande escala contra a Ucrânia. O que o futuro nos reserva se não pararmos hoje a máquina de guerra russa?
A centenas de quilómetros de distância, não se ouve o som de bombas a explodir, sirenes de alarme ou os gritos dos pais que acabaram de perder o filho no bombardeamento. No entanto, a distância até Kiev não pode acalmar a nossa consciência. Por vezes, receio que haja realmente muitas pessoas no Ocidente para quem o almoço no seu restaurante favorito ou uma série na Netflix são mais importantes do que as vidas e mortes de milhares de ucranianos. Todos nós somos testemunhas desta guerra. Nenhum de nós poderá dizer: "Eu não sabia do genocídio de Bucha." Todos nós olhamos para as atrocidades que estão a ser cometidas pelo exército russo. Por esta razão, não devemos permanecer indiferentes. Os planos imperiais da Rússia vão para além da Ucrânia. Esta guerra diz-nos respeito a todos.
Lição 2: A Rússia está a conduzir a crise económica global
A guerra na Ucrânia é apenas uma das frentes em que se trava a batalha pelo futuro da Europa. A Rússia está a agredir toda a nossa civilização no espaço cibernético, na esfera da informação e na esfera económica. Carl von Clausewitz disse uma vez que a guerra não é mais do que a continuação da política por outros meios. Vladimir Putin aparentemente compreendeu bem esta famosa frase. Moscovo escolhe as suas técnicas de ataque de acordo com o adversário que enfrenta. Putin não poderia conquistar militarmente a Europa sem primeiro a derrotar economicamente.
A crise energética e a inflação global que todos enfrentamos têm a sua origem na agressão imperialista da Rússia. O início da invasão da Ucrânia foi a política agressiva do Kremlin nos termos de fornecimento de gás, em Julho e Agosto de 2021. A chantagem do Putin através do fornecimento de gás levou aos aumentos acentuados dos preços do gás no mercado europeu. E isso foi apenas o início.
A Rússia esperava que a paralisia do sector energético enfraquecesse os países europeus e os convencesse a ficarem fora da guerra na Ucrânia. Desde o início, a escalada da crise foi uma estratégia dirigida contra os países ocidentais. As acções militares da Rússia são uma das principais causas do aumento dos preços em todo o mundo. Todos nós pagamos caro as decisões do Kremlin. É tempo de compreender isto: a Rússia está a conduzir a crise económica global.
Lição 3: "Desputinização" é um pré-requisito para a soberania europeia
Durante muitos anos, a fonte da força da Rússia tem sido a fraqueza do mundo ocidental. A dependência energética dos hidrocarbonetos russos, os acordos comerciais ambíguos com os oligarcas russos e as cedências totalmente incompreensíveis feitas pela Europa, por exemplo, a construção do Nord Stream 2, compõem um quadro das relações patológicas entre o Ocidente e a Rússia. Muitos governos europeus acreditavam que poderiam ser celebrados contratos normais com a Rússia, mas estes acabaram por ser um pacto com diabo em que a Europa vendeu a sua alma.
É, portanto, impossível voltar ao "business as usual". As relações com um regime criminoso não podem ser normalizadas. É mais do que tempo de a Europa se tornar independente da Rússia, especialmente no sector da energia. Já desde há muito que a Polónia fala sobre a necessidade de diversificar os fornecimentos de petróleo e gás. Novas rotas de fornecimento abrem novas possibilidades. A "desputinização", ou seja, o corte de relações com a máquina ditatorial de violência criada por Putin, é um pré-requisito para a soberania da Europa.
Lição 4: A solidariedade é mais forte do que o medo
Esta guerra já mudou a Europa. Ao invadir a Ucrânia, a Rússia esperava que os países ocidentais não acordassem do coma geopolítico em que caíram anos atrás, acreditando ingenuamente no mito do "fim da história". A Rússia cometeu um erro. Queria dividir-nos, mas nós permanecemos mais unidos do que nunca.
A maior arma do Kremlin é o medo, como em qualquer regime totalitário. Temos de combater as ameaças e chantagens russas com solidariedade. A ajuda já está a chegar à Ucrânia vinda de todo o mundo. Alimentos, mantimentos, armas. Hoje damos à Ucrânia a esperança e uma oportunidade de vitória.
A aprovação da Alemanha para enviar tanques Leopard para a Ucrânia, que a Polónia estava a exigir, é realmente significativa. Já sabemos que aos tanques produzidos na Alemanha se juntarão os Abrams americanos. A razão de Estado euro-atlântica tem prevalecido sobre os cálculos frios. A NATO demonstrou que não é apenas a aliança militar mais poderosa do mundo, mas também uma aliança verdadeiramente unida. Juntos derrotaremos o mal. A solidariedade é mais forte do que o medo.
Lição 5: Reconstruir a Ucrânia, fortalecer a Europa
A vitória na luta contra a Rússia está cada vez mais próxima não só graças aos êxitos do exército ucraniano e ao cansaço do urso russo devido às sanções impostas. É mérito do mundo ocidental, que formou uma forte aliança pela liberdade. No entanto, não é suficiente derrotar a Rússia na batalha de hoje. Para vencer a guerra contra a Rússia, temos de construir uma arquitectura de segurança completamente nova, em termos políticos e económicos.
Que material vamos utilizar para construir a nossa casa comum, a Europa? Aquilo que proporciona segurança é uma unidade baseada numa comunidade de valores e interesses, consolidada por fortes laços económicos e sociais. Não será possível ultrapassar a crise económica se o fogo da guerra arder às portas da Europa.
Surgem, portanto, dois cenários para o futuro da Europa. Um é a vitória da Ucrânia e a paz no continente. O segundo é a vitória da Rússia e a expansão do imperialismo putinista. Para que a Ucrânia ganhe esta guerra, devemos pensar, já hoje, numa mudança de paradigma na política europeia. A ideia de uma comunidade de segurança e paz é hoje o único modelo possível de desenvolvimento.
Um ano após o início da guerra, temos também um objectivo comum e unido: reconstruir a Ucrânia, fortalecer a Europa.
Texto publicado em conjunto com a revista mensal polaca "O mais importante" como parte de um projecto histórico com o Instituto de Memória Nacional e a Fundação Nacional Polaca
Mateusz Morawiecki é primeiro-ministro da República da Polónia. Foi membro da equipa que negociou os termos da adesão da Polónia à União Europeia. É licenciado em História pela Universidade de Wroclaw, licenciado em Administração de Empresas pela Universidade Técnica de Wroclaw e pela Central Connecticut State University