Filipa Ramos sai da direcção da Galeria Municipal do Porto
Departamento de comunicação da Ágora alega “motivos de natureza pessoal” para saída da curadora e investigadora. Ainda não há previsões sobre quem sucederá a Filipa Ramos, e em que moldes.
Um ano depois de ter assumido a direcção artística da Galeria Municipal do Porto (GMP) e do Departamento de Arte Contemporânea da empresa municipal Ágora, a curadora e investigadora Filipa Ramos está de saída. A decisão foi tomada pela própria, por “motivos de natureza pessoal”, disse ao PÚBLICO o departamento de comunicação da Ágora.
A empresa que gere as actividades e estruturas municipais ligadas à cultura e ao desporto "agradece todo o trabalho desenvolvido pela ainda directora da GMP”, que optou por não prestar declarações ao PÚBLICO, sublinhando que esta “continuará a colaborar pontualmente” com a autarquia, mais concretamente no acompanhamento da programação que concebeu para a instituição e que será inteiramente realizada até ao início de 2024.
Ainda não há previsões sobre quem sucederá a Filipa Ramos, e em que moldes. No Departamento de Arte Contemporânea da Ágora, a programadora tinha também a seu cargo a Fonoteca Municipal do Porto e a Pláka, plataforma que reúne projectos “de apoio à prática artística contemporânea”, entre eles o Criatório, o Shuttle, o InResidence e as aquisições para a Colecção Municipal de Arte.
Filipa Ramos cessará efectivamente as suas funções directivas no final de Março. Uma demissão que se segue, em menos de seis meses, à destituição do curador Nuno Faria do cargo de director artístico do Museu da Cidade do Porto, outra estrutura afecta à Ágora, agora liderada por Jorge Sobrado, ex-vereador da Cultura de Viseu e actual dirigente da CCDR-Norte.
Aquando da notícia da saída de Nuno Faria, fontes que não quiseram ser identificadas afirmaram ao PÚBLICO existir “uma crescente tensão entre estruturas administrativas e programadores” na esfera da Câmara do Porto. Sobre essa questão - numa breve entrevista dada ao PÚBLICO no dia seguinte, à margem da conferência de imprensa de apresentação do programa Galeria Energia -, Filipa Ramos comentou haver “visões que estão a tentar ser negociadas, não sem fricção e resistência de ambas as partes”. A curadora referiu ainda que administradores e programadores “têm de aprender a coexistir”, e que “há uma necessidade de sintonia”.
A partida de Filipa Ramos da GMP dá-se um mês após a reabertura do espaço. A galeria encerrou em Fevereiro de 2022 para obras de requalificação que não chegaram a acontecer, sem ter havido uma explicação oficial por parte da autarquia. Na entrevista ao PÚBLICO já referida, a programadora explicou que as razões apontadas pelo autarca, Rui Moreira, se prendiam com a crise de fornecimento de materiais de construção.
“Foram ainda descobertas infiltrações na Biblioteca [Municipal Almeida Garrett], cujo edifício é partilhado connosco. Não faria sentido fazermos as obras estruturais que estávamos a pensar: o presidente considerou que os atrasos iriam ser tão grandes que eu iria ter de ficar sem a Galeria por mais não sei quanto tempo”, acrescentou então Filipa Ramos, que durante o período de encerramento do espaço activou, por vários pontos da cidade, a Galeria Energia, uma programação com nomes nacionais e internacionais desdobrada em conferências, concertos e outros formatos, ancorada em grande parte nos diálogos entre arte e ecologia, a principal matéria de investigação da curadora. A última sessão deste programa tem lugar esta sexta-feira, na GMP, com uma palestra orientada pelo arquitecto e escritor espanhol Andrés Jaque.
A programação para esta nova temporada da GMP será apresentada a 15 de Março. A próxima exposição arranca na semana seguinte, no dia 25: Desejos Compulsivos: A Extracção do Lítio e as Montanhas Rebeldes, uma mostra colectiva com curadoria da arquitecta Marina Otero Verzier e que vem no seguimento dos cursos dos Colectivos Pláka, grupos de pensamento e discussão integrados na plataforma homónima.
Entre a academia, a curadoria e a escrita
Natural de Lisboa, Filipa Ramos doutorou-se em Filosofia pela Universidade de Kingston, em Londres, cidade que acabou por se tornar no seu principal poiso, e para onde irá voltar agora. Curadora da secção de cinema da Art Basel, uma das mais importantes feiras internacionais de arte contemporânea, a portuguesa co-fundou, em 2013, a sala de cinema online Vdrome, onde são apresentados trabalhos de cineastas e artistas nas intersecções entre o cinema, as artes visuais e a imagem em movimento.
Antes de suceder a Guilherme Blanc (agora director artístico do Batalha Centro de Cinema) na liderança do Departamento de Arte Contemporânea da Ágora, a investigadora foi aproximando-se do Porto: foi uma das curadoras da exposição Pés de Barro, que ocupou a GMP no Verão de 2021, e co-comissária das edições de 2019 e 2020 do Fórum do Futuro (esta última em formato livro, Vita Nova, em resposta à pandemia).
Com um extenso currículo internacional construído entre a academia, a curadoria e a escrita, Filipa Ramos integrou ainda as equipas curatoriais da 13.ª Bienal de Xangai, que decorreu em 2021, e da oitava Bienal Gherdëina, em Val Gardena, no Norte de Itália, em 2022. Colaborou em projectos que passaram por instituições como a Tate Modern, em Londres, o museu Bildmuseet, na cidade sueca de Umeå, ou a galeria Ambika P3, em Londres. Tem vindo a publicar textos em catálogos de exposições e em diversas revistas internacionais de arte, como a Frieze ou a Mousse. O seu próximo livro, The Artist as Ecologist, será lançado este ano pela editora londrina Lund Humphries.