Pirarucu: o maior peixe da Amazónia tornou-se comum num rio do interior de São Paulo

O pirarucu, peixe amazónico que pode pesar até 220 quilos, é agora avistado com frequência num segmento do rio Grande, no Brasil, provocando alegria nos pescadores e alguma apreensão nos cientistas.

Foto
Pescadores com dois pirarucu na ilha do Rumão, na reserva natural de Mamirauá, em Fonte Boa Bruno Kelly/ Reuters

Quem diria que um dos peixes mais icónicos da Amazónia, famoso pelo porte desmesurado – pode ter até três metros de comprimento e pesar até 220 quilos –, acabaria por se tornar comum num rio do interior de São Paulo, no Brasil? O pirarucu (Arapaima gigas) é agora avistado com frequência num segmento do rio Grande, provocando alegria nos pescadores e alguma apreensão nos cientistas.

Não sendo uma espécie nativa, o pirarucu pode causar perturbações no ecossistema local. É um dos maiores peixes de água doce do mundo, uma espécie predadora que se alimenta de outras criaturas aquáticas e ocupa o topo da cadeia alimentar. Não é ainda claro, portanto, que impacte pode ter na população de peixes local. Mas como é que um peixe gigante da Amazónia, famoso pelas escamas resistentes como armaduras, foi parar à região Sudeste do Brasil? Já lá vamos.

“Quando um peixe não nativo é introduzido, não vem sozinho. Chega com ele um pool de parasitas que estão presentes nesse organismo e também podem causar impactos que devem ser medidos. Por isso, é importante o desenvolvimento de investigações sobre o tema”, explica Lilian Casatti, professora do departamento de Zoologia e Botânica da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), citada no jornal da mesma entidade.

Investigadores da UNESP têm registado nos últimos anos a presença crescente do pirarucu no troço entre as hidroeléctricas de Marimbondo e Água Vermelha, situado na fronteira entre os estados de Minas Gerais e São Paulo. Este segmento com cerca de 120 quilómetros possui menos corrente, uma vez que o fluxo fluvial está condicionado pelas duas infraestruturas destinadas à produção de energia.

“Forma-se assim um ecossistema muito parecido com o habitat natural do pirarucu na Amazónia, onde costuma ser encontrado em lagos de água mais parada”, refere o jornal da UNESP. Este segmento fluvial está integrado na bacia do rio do alto Paraná, que banha os estados de Minas Gerais e São Paulo.

Fuga de tanques de aquacultura

Os primeiros pirarucus foram avistados na área em 2010, mas só cinco anos depois a presença da espécie seria divulgada numa publicação científica. Um artigo de Setembro de 2015 na revista Checklist, do qual Lilian Casatti é co-autora, documenta o estudo de uma carcaça de pirarucu com 1,20 metros de cumprimento e avança uma hipótese para a “grande viagem” do peixe gigante da Amazónia.

Ao que tudo indica, o pirarucu chegou ao interior de São Paulo após um acidente numa unidade de aquacultura, que terá permitido a libertação de espécimes jovens e adultas no rio Grande. Este evento terá ocorrido no município de Frutal, estado de Minas Gerais.

“Com base em relatos de moradores locais, em meados da década de 2000, houve uma ruptura nos tanques de piscicultura de pirarucu próximos às margens do rio, após um período de grandes chuvas”, refere o artigo.

Nos últimos anos, pescadores profissionais e amadores capturaram pirarucus de pequeno e médio porte no rio. Izael Gonçalves de Moraes, de 41 anos, contou à BBC que pescou um pirarucu com 2,2 metros e 113 quilos no dia em que fazia aniversário. “Foi a primeira vez que pesquei um peixe desse tamanho. Fiquei até emocionado, pois levei quase uma hora para o conseguir tirar da água”, afirmou.

Cientistas da UNESP acreditam que é preciso compreender melhor o impacte da introdução do pirarucu e, para isso, mais estudos de campo são necessários. Para já, a espécie não é considerada uma invasora no troço fluvial no interior de São Paulo.

“Hoje, no rio Grande, o pirarucu é classificado como um peixe não nativo. Para que passe a ser considerado espécie invasora precisamos pesquisar e provar que a sua presença causa dano a alguma espécie ou processo ecológico”, refere Lilian Casatti, citada pelo Jornal da UNESP, acrescentando que o troço fluvial em causa “já está bastante alterado” e apresenta “resíduos de agrotóxicos e presença de diversas espécies não nativas”.

A professora da UNESP defende ainda que os aquicultores apostem unicamente em espécies de peixes nativas da região, evitando assim acidentes e introduções indesejadas. “O Brasil é um dos países mais diversos do planeta e abrigamos mais de cinco mil espécies de peixes. Não há necessidade de criarmos espécies que não são nativas da própria bacia em que está localizada a produção”, remata Lilian Casatti.