As baleias-jubarte australianas cantam menos (quer ouvir?) e lutam mais
Com aumento de população de 200 indivíduos para 20 mil, a concorrência torna-se um problema para as baleias macho que tentam acasalar. Abdicam de cantar e optam pela competição física.
A proibição da caça comercial, em 1986, desencadeou um crescimento exponencial da população de baleias-jubarte no oceano Antárctico. Onde existiam 200 indivíduos, agora nadam mais de 20 mil. Face a esta mudança, constata um estudo publicado na revista Communications Biology esta quinta-feira, os machos adaptaram a sua estratégia de acasalamento.
Quando uma baleia jubarte canta na tentativa de atrair uma fêmea pode também chamar a atenção de outros machos, ou seja, competição. Quando existiam poucas centenas de baleias isso não parecia levantar grandes problemas. Agora que são mais de 20 mil no oceano Antárctico, o seu canto pode "avisar a concorrência" e colocá-las em apuros. Por isso, estão a cantar menos.
O comportamento mais comum passou a ser o de acompanhar e escoltar a fêmea e tentar acasalar com ela. O que não previne o conflito. Devido à grande densidade populacional, formam-se grupos competitivos, ou seja, três ou mais adultos machos que procuram a atenção de uma mesma fêmea, nesse caso os machos podem lutar para conseguirem a melhor posição no grupo.
"As baleias-jubarte macho conseguiram, com sucesso, adaptar-se às mudanças extremas na sua população", conclui o estudo australiano. Acrescenta ainda que alternar entre estratégias de canto e competitivas, dependendo da existência de concorrência, pode mesmo ter "diminuído o risco de extinção deste animal" e contribuído para o forte crescimento populacional.
A canção tornou-se um desperdício de esforço
A baleia-jubarte (Megaptera novaeangliae), conhecida como “a mais vocal de todas” esteve perto da extinção nos anos 60 devido à caça comercial. Nesta época, estimava-se haver cerca de 200 baleias-jubarte no oceano Antárctico. Agora, o panorama é diferente, essencialmente devido à proibição da caça comercial de baleias que entrou em vigor em 1986 por decisão da Comissão Baleeira Internacional (CBI). Em 2015, afirma o estudo de Rebecca Dunlop e Celine Frere, o número estimado de baleias-jubarte no oceano Antárctico era de mais de 20 mil.
Os dados desta investigação, publicados na revista Communications Biology, foram recolhidos em quatro períodos de tempo, em 1997, 2003 e 2004, 2008, 2014 e 2015 na época da “migração anual de baleias-jubarte das zonas de reprodução, na Grande Barreira de Corais, para as zonas de alimentação no oceano Antárctico”, mais especificamente, em Setembro e Outubro de cada ano.
No período inicial do estudo, em 2003 e 2004, constata-se que 2 em 10 machos usavam os cânticos como uma “forma de sinalização sexual para atrair as fêmeas”. A proporção diminui para metade em 2015, no final da recolha. A técnica de sedução deixou de ter muito sucesso.
Em contrapartida, os grupos competitivos, tornaram-se bem mais comuns. Estas alterações, aos olhos da investigação, serão possivelmente um “fenómeno dependente da densidade da população que aumentou de 3500 indivíduos quando o estudo começou, para mais de 20 mil, quando o estudo foi concluído”.
A autora do trabalho Rebecca Dunlop confirma ao PÚBLICO que o crescimento da população de baleias-jubarte, após a proibição da caça comercial, alterou “o comportamento de acasalamento dos machos”. E à medida que o número de baleias aumentava, acrescenta, os cânticos tornaram-se "cada vez menos úteis nos rituais de acasalamento”.
A justificação que Rebecca e Celine encontraram para estas alterações foi que utilizar o cântico como ritual de acasalamento trazia um custo acrescido: "a potencial atracção de outros machos que se juntam ao cantor, podendo interrompe-lo e potencialmente levá-lo a abandonar a área, o que quer dizer que a canção foi um desperdício de esforço”.
Optam então pela competição física, isto é, explica o estudo, "vão à procura das fêmeas" e não cantam para "não atraírem outros machos para o grupo". Mas mesmo assim, devido à grande densidade populacional, a competição surje, levando a comportamentos agressivos entre os machos.
Bóias para gravar o canto
Estes animais têm um comprimento entre os 12 e os 16 metros e pesam cerca de 26 toneladas, mas o seu tamanho não os impede de serem um tanto acrobáticos. Esta espécie de baleia habita ao longo de todos os oceanos, e até em portos e rios, e faz longas migrações para zonas de alimentação no Verão e acasalamento no Inverno.
Durante a migração para as zonas de alimentação, os investigadores utilizaram um sistema de gravações acústicas, a partir do qual puderam rastrear as baleias, juntamente com a “observação de outras baleias a partir de uma estação em terra com base na montanha”.
As gravações acústicas foram feitas por meio de “três a cinco bóias hidrofónicas” (que detectam ondas sonoras debaixo de água), ancoradas a “18 a 28 metros de água”, os sinais recebidos pelas bóias eram então transmitidos para a estação base na costa e, posteriormente, utilizados pelos investigadores para cruzar os dados de diferentes bóias e determinar a posição mais provável dos cantadores.
Os dados recolhidos, afirma Rebecca Dunlop, permitiram à equipa criar “uma imagem dos comportamentos de acasalamento das baleias-jubarte, em termos de quais cantam, quais são machos, também como o seu ambiente social”.
Este estudo procurou perceber quão “flexíveis são os comportamentos animais face a um grande impacto ecológico, no caso, a quase extinção da baleia-jubarte devido à caça à baleia e se as populações animais conseguem recuperar” destes impactos e chegou à conclusão que a adaptação dos rituais de acasalamento desta espécie à sua densidade populacional "pode ter diminuído o risco de extinção deste animal e contribuído para sua recuperação".