Reduzir a protecção do lobo na Europa? Duarte Cordeiro e outros ministros não concordam
Há quem fale em campanha “antilobos”. Duarte Cordeiro e mais 11 ministros do Ambiente opõem-se à resolução aprovada pelo Parlamento Europeu que quer reduzir estatuto de protecção deste carnívoro.
Doze ministros do Ambiente europeus (incluindo o ministro do Ambiente e da Acção Climática de Portugal, Duarte Cordeiro) estão contra reduzir o estatuto de protecção do lobo. No início deste mês, enviaram uma carta ao comissário europeu para o Ambiente, os Oceanos e as Pescas, dizendo serem contra uma resolução sobre carnívoros de grande porte que foi adoptada pelo Parlamento Europeu em Novembro do ano passado.
Esta resolução argumenta que, como “alguns grandes predadores, nomeadamente lobos e ursos”, estarão a conseguir aumentar a sua área de distribuição “em muitas regiões da Europa” — e, consequentemente, a prejudicar agricultores e criadores de gado de forma mais significativa —, justifica-se uma “redução do estatuto de protecção” do lobo (Canis lupus).
Numa altura de crise para a biodiversidade, os ministros rejeitam “de forma inequívoca a tendência da resolução para enfraquecer a protecção legal do lobo”, segundo reporta o Euractiv, site de informação europeia. Os 12 signatários fazem referência ao “papel indispensável” que os grandes predadores desempenham em matéria de regulação dos ecossistemas.
Escrever a carta e enviá-la ao comissário europeu para o Ambiente, os Oceanos e as Pescas, Virginijus Sinkevicius, foi uma ideia que partiu da Eslováquia. Depois, 11 outros Estados-membros manifestaram o seu apoio, co-assinando o texto. Segundo o EUObserver, outro site de notícias sobre a União Europeia (UE), estes são Alemanha, Áustria, Bulgária, Chipre, Eslovénia, Espanha, Grécia, Irlanda, Luxemburgo, Portugal e Roménia.
A resolução cita uma avaliação recente do estado de conservação do lobo na Europa, levada a cabo pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), para referir que a área de distribuição deste predador no continente “registou um aumento de mais de 25%” nos últimos dez anos. “O impacto negativo dos ataques ao gado pela crescente população de lobos é cada vez mais acentuado”, diz também a resolução.
Com os números mais volumosos tanto de lobos como de danos, torna-se mais difícil os “administradores nacionais” agirem de “forma eficaz e decisiva com os instrumentos de que dispõem actualmente”, argumenta o texto.
Dizendo que é preciso haver uma “coexistência construtiva entre os grandes carnívoros e a criação de gado”, o documento “convida” a Comissão Europeia a avaliar os dados científicos com regularidade, para “adaptar o estatuto de protecção das espécies logo que seja alcançado o estado de conservação pretendido”.
Os autores da carta enviada a Virginijus Sinkevicius entendem que a resolução levanta questões importantes, mas acreditam também que seria um erro acabar com a protecção rigorosa do lobo (ao abrigo da directiva Habitats, que proíbe a sua captura em toda a área da UE).
Uma combinação entre esta protecção rigorosa e um “sistema eficaz” de medidas preventivas e compensatórias — isto é, medidas que permitam aos agricultores e criadores de gado não só evitarem os ataques de carnívoros, mas também serem indemnizados justamente, quando esses ataques ocorrem — é o caminho que “trará as melhores soluções”, dizem.
“Eu acredito firmemente que a Comissão Europeia vai manter a mesma abordagem responsável relativamente à protecção de espécies raras que tem tido até agora”, afirmou em comunicado, após o envio da carta, o ministro do Ambiente da Eslováquia, Ján Budaj.
As resoluções que o Parlamento Europeu adopta não são documentos vinculativos. Dito isto, dão conta de uma opinião ou posição política deste órgão legislativo, pelo que podem antecipar ou influenciar a feitura de novos enquadramentos legais.
Campanha antilobos
Pedro Prata, responsável pela organização sem fins lucrativos Rewilding Portugal — que tem projectos de conservação da natureza como o WolFlux, que pretende proteger a subpopulação de lobo-ibérico (Canis lupus signatus) a sul do Douro —, define esta resolução como o mais recente capítulo de uma campanha antilobos que “já se estende há muito tempo”.
O biólogo lembra que, em Setembro do ano passado, um lobo atacou e acabou por matar o pónei de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. O “aparato mediático” que esta situação desencadeou, argumenta, tem vindo a ser aproveitado por partidos políticos mais conservadores e “grupos de lobby”. “Estão a perseguir o lobo e a semear o medo para não falarmos dos problemas seriamente”, concluiu.
E um dos problemas mais relevantes, diz, é que as indemnizações por prejuízos causados pelos lobos não estão a ser pagas aos agricultores e criadores de gado de forma célere. Em muitos casos, entende ainda, tais indemnizações não estão também a compensar os danos de forma justa.
“Os mecanismos de compensação são pouco eficazes e estas pessoas estão a tentar desvirtuar a discussão”, critica o líder da Rewilding Portugal, dizendo que esta resolução adoptada pelo Parlamento Europeu procura sobretudo tranquilizar as sociedades rurais, que “alimentam bastantes votos”.
Indemnizações demoram “até um ano a chegar”, acusam agricultores
Em Portugal, as críticas feitas por trabalhadores agrícolas aos mecanismos que procuram garantir a compensação de danos provocados por lobos estão longe de ser uma novidade. Ainda há umas semanas, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) voltou a falar negativamente das indemnizações, argumentando que o procedimento para as receber é muito burocrático, dizendo também que elas não cobrem os estragos devidamente e sugerindo ainda que há pagamentos que demoram “até um ano a chegar”.
“Não é só haver um mecanismo [de compensações]. Se for difícil conseguir o dinheiro, é como se o mecanismo não funcionasse”, avalia Pedro Prata, alegando que, como o procedimento para pedir indemnizações peca por excesso de burocracia, tem havido uma “diminuição substancial” dos pedidos de ajuda.
Depois de a CNA ter criticado as indemnizações, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) — que, para determinar o montante a atribuir aos agricultores ou criadores de gado, calcula “o valor dos animais mortos ou feridos pelo lobo” — disse que, por vezes, as próprias pessoas prejudicadas são o motivo pelo qual existem demoras no pagamento.
O ICNF “não pode tramitar o processo de indemnização” enquanto a pessoa lesada não comunicar a morte do animal ou dos animais junto do Sistema Nacional de Informação e Registo Animal (SNIRA), contextualizou este organismo à agência Lusa, numa resposta escrita que agora partilha também com o PÚBLICO.
“Sem que haja esta comunicação — que é da exclusiva responsabilidade dos proprietários —, o processo fica retido, pois os organismos do Estado não podem pagar animais que não tenham sido declarados mortos”, acrescenta o ICNF, insistindo que o motivo “mais frequente” das demoras terá que ver precisamente com esta situação.
No que respeita aos processos relativamente aos quais as pessoas já comunicaram a morte dos animais ao SNIRA e nos quais foi reconhecido o direito à indemnização, "o instituto tem procedido ao pagamento das compensações devidas, encontrando-se apenas uma pequena percentagem de processos, maioritariamente relativos a 2022, dependente de análise”, diz o ICNF ao PÚBLICO.
Este organismo diz também que, nos últimos anos, tem vindo a pagar menos por prejuízos atribuídos ao lobo-ibérico: depois de em 2020 ter pago 93,3 mil euros, este valor caiu para 87,6 mil euros em 2021 e 57,8 mil euros em 2022. Isto tem que ver com a tal redução de pedidos de ajuda a que Pedro Prata faz referência?
Sim. No ano passado, o ICNF avaliou 622 ocorrências. Em 2018, por exemplo, tinha avaliado 1381. Explicações? Há umas semanas, o instituto disse à agência Lusa que o facto de os agricultores e criadores de gado “terem vindo a adoptar práticas de maneio ajustadas à presença do lobo-ibérico, nomeadamente a utilização de cães de gado, permitiu reduzir quer o número de prejuízos causados pelo lobo, quer o número de animais mortos por ocorrência”.
Agora, o ICNF diz ao PÚBLICO que está a fazer uma “avaliação/revisão” dos diferentes procedimentos no actual mecanismo de indemnizações.
Cerca de 19 mil lobos
A já referida avaliação que a IUCN fez recentemente sobre o estado de conservação do lobo na Europa foi publicada em Setembro. Indica que, “com base nos melhores dados disponíveis”, é provável que presentemente o número total de lobos nos 27 Estados-membros da UE ronde os 19 mil. Este número tem vindo a crescer, mas há populações deste animal que continuam numa posição de fragilidade.
Em Portugal, deve estar para breve a publicação de um novo censo com informações sobre quantos lobos-ibéricos há em Portugal e onde é que eles estão, mas os últimos dados oficiais ainda são de 2002/2003. Então, foram identificadas 63 alcateias — 51 confirmadas e 12 prováveis —, tendo sido ainda estimado um número populacional de entre 220 e 430 indivíduos.
Pedro Prata diz que estes são números “extremamente exagerados”, referindo que “o método de quantificação premeia indicadores de presença ou actividade”.
O biólogo explica: “Do ponto de vista da conservação, o método faz sentido. Se existe numa dada zona algum indicador da presença do lobo, infere-se que é importante conservar aquele espaço. Mas isto depois resulta em dados que podem induzir em erro. Os números populacionais acabam por ser sobrevalorizados.”
O líder da Rewilding Portugal refere ser “essencial” que se invista no “reforço de espécies que possam ser presas” silvestres do lobo. “Se queremos que ele não coma gado, temos de lhe disponibilizar presas silvestres em números satisfatórios.”
Isto é algo que o gabinete de Duarte Cordeiro diz ter em mente. O Ministério do Ambiente e da Acção Climática afirma ao PÚBLICO que está a estudar “medidas de gestão para o incremento de presas ou até mesmo a sua introdução ou reintrodução”.
O Governo diz também que a reprogramação do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum de Portugal (PEPAC) “irá reforçar o quadro de apoios comunitários aos produtores de gado em zonas de ocorrência de lobo-ibérico, mitigando o risco de perdas associadas à interacção de lobos com o gado e reduzindo a conflitualidade com a espécie”.
O lobo-ibérico continua a ser classificado como estando “em perigo” de extinção. E não é para menos: segundo um estudo recente, levado a cabo por investigadores espanhóis, a espécie estará a perder diversidade genética, o que coloca em risco a sua sobrevivência.