Marcelo sobre pacote da habitação: “Só se sabe se o melão é bom depois de o abrir”
Presidente da República lembra que as medidas anunciadas ainda não estão vertidas em leis, havendo um mês de discussão pública pela frente. Mas deixa desde já alguns avisos.
Marcelo Rebelo de Sousa recorreu a um ditado popular para dar a sua primeira opinião sobre o pacote da habitação apresentado nesta quinta-feira pelo primeiro-ministro: “O povo costuma dizer que só se sabe se o melão é bom depois de o abrir. É preciso abrir o melão.”
Foi a forma de o Presidente da República dizer, por outras palavras, aquilo que demorou muitos minutos a explicar: que “olhando para o pacote, que é muito grande, não é possível ter uma ideia clara do que lá está dentro” e, por isso, é preciso passar a fase de apresentação “do melão”, a que se segue “um mês de discussão pública”, depois a tradução de cada medida em diplomas legislativos, para só então pensar na sua aprovação, nas dúvidas de constitucionalidade e na promulgação pelo Presidente.
Para já, sobram as dúvidas, vai dizendo Marcelo. “A questão é saber como é que os objectivos são atingidos: se são atingidos rapidamente, se vão realmente melhorar a situação das famílias e se há máquina a nível de Estado e de municípios [para a concretização], se a banca é sensível a certas mudanças que tem de introduzir e se os impostos de que se fala em termos de redução vão realmente mudar a situação dos portugueses.”
Confrontado com as críticas dos partidos da oposição, Marcelo considerou “natural”, porque há caminhos muito diferentes: “Há quem defenda que [a solução] passa mais pelo Estado (…) e quem pense que passa mais pelo mercado, para agilizar a construção e criar um novo regime no arrendamento.” Mas, para já, o importante, sublinha, “é percebermos em pormenor o que as medidas querem dizer”.
Questionado sobre se antevê problemas de constitucionalidade, como dizem alguns partidos e constitucionalistas, Marcelo foi cauteloso. “Eu não me pronuncio sem saber o que é que as leis dizem efectivamente”, afirmou, sublinhando que o Governo lhe enviou “as ideias, mas não as leis”. “Vamos esperar pelo debate público e pelas leis e depois, uma a uma, terei opinião sobre essas medidas”, disse.
Presidente com baixas expectativas sobre PRR
Relativamente aos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), na sequência do ponto de situação apresentado nesta quarta-feira pelo Governo ao Presidente da República, Marcelo deixou a ideia de que tem uma divergência com o executivo sobre o ritmo da aplicação dos fundos.
Por um lado, o Governo argumenta – “e tem razão” – de que Portugal “está em sexto lugar entre os países europeus” que já foram “buscar fundos a Bruxelas” e que “uma parte desse dinheiro” já foi entregue às entidades públicas encarregadas de contratar os destinatários finais.
Segundo o Presidente, o Governo até admite que “o que foi gasto no terreno”, 1600 milhões de euros, “é uma quantia pequena” devido a “complicómetros” como a demora excessiva na resposta de avaliação de candidaturas. Só que, na avaliação do Governo, a sua função, “está a funcionar bem”, referiu Marcelo Rebelo de Sousa, contrapondo com a sua própria posição. “Isso é verdade mas está difícil de operacionalizar, que é chegar ao fim da linha, que é o que interessa”, disse.
Sem se referir directamente ao optimismo do primeiro-ministro, a que já chamou “optimismo irritante”, o Presidente assumiu ter uma atitude contrária sobre a matéria de execução dos fundos do PRR.
“Seja para quem, como eu, tem sempre expectativas mais baixas [seja para quem como] o primeiro-ministro tenha sempre expectativas mais altas, prefiro não ter razão e que no fim de tudo esteja 100% executado”, disse.
A divergência de perspectiva sobre o PRR terá sido assumida pelo Presidente, segundo o jornal Expresso, na parte da reunião à porta fechada com o primeiro-ministro depois de, perante a comunicação social, ter deixado expressa a solidariedade institucional e estratégica entre os dois órgãos de soberania em torno do PRR.
Costa abriu uma “janelinha” aos professores
Sobre a questão do diferendo que opõe professores e Governo, o Presidente considerou que o primeiro-ministro deu “um passo muito importante” ao “explicar” na entrevista desta quinta-feira à TVI porque é que não é possível repor integralmente o tempo de serviço congelado dos docentes.
“Ele abriu uma janelinha, dizendo que não é uma questão que possa ser resolvida globalmente. Custa mil e tal milhões de euros. Mas abriu uma janelinha, têm sido dados passos em muitos dossiers”, disse, referindo-se, por exemplo, à realização de concursos anuais de professores do quadro, em vez de a cada quatro anos.
Marcelo considerou que não é possível “uma solução perfeita, mas que cubra um número muito elevado de problemas dos professores, que dê um sinal de esperança”. “Todos esperam que, depois do Carnaval e até à Páscoa, se possa ver luz ao fundo do túnel”, afirmou.