Na Turquia, Mustafa, Osman e Neslihan sobreviveram 260 horas sob escombros
Como as histórias de sobrevivência aos sismos da Turquia e da Síria são cada vez mais raras, cada pessoa que regressa à superfície com vida é recebida com grande alegria.
Onze dias, 260 horas, 15.600 minutos – seja qual for a medida usada, o tempo é longo, muito longo, e explica a surpresa dos já desesperançados, os que já só queriam dar um enterro digno aos seus familiares. “Tínhamos preparado a sua campa”, comentou o cunhado de Neslihan Kilic.
Muito provavelmente o seu nome não chegaria a páginas de jornal se o que esperavam tivesse acontecido. Mas por entre a devastação causada pelos sismos de 6 de Fevereiro continuam a aparecer histórias de sobrevivência surpreendente e Neslihan ganhou o direito a ser mencionada.
Soterrada nos escombros do que era até há pouco a sua casa, em Kahramanmaras, na Turquia, a mulher de 29 anos foi encontrada pelas equipas de resgate quando se preparavam para retirar uma cama. Alguém reparou numa mão que se movia. “Tínhamos preparado a sua campa e pedimos aos socorristas que parassem de escavar porque temíamos que pudessem danificar os corpos sob os destroços. Pouco depois, ouvimos a voz dela debaixo das ruínas”, explicou o cunhado, à CNN turca.
O pai, Cuma Yalcinoz, acompanhara toda a operação. “Eu acreditava que ela sairia. Tinha um feeling”, disse à Associated Press. O marido e os dois filhos de Neslihan continuam desaparecidos.
Com o balanço oficial na Turquia a ultrapassar as 38 mil vítimas mortais – superando largamente as previsões mais optimistas – e a terra ainda a tremer de poucos em poucos minutos, cada pessoa que regressa à superfície com vida é recebida com grande alegria.
Aleyna Olmez, de 17 anos, foi uma delas. Resgatada também em Kahramanmaras, o seu tio abraçou os socorristas um por um e disse-lhes que não se ia esquecer nunca deles. “Temos estado a trabalhar neste edifício há uma semana, ficamos contentes sempre que encontramos qualquer sinal de vida – até um gato”, disse à AFP uma das pessoas envolvidas no resgate, Ali Akdogan.
Osman, um rapaz de 12 anos resgatado de um prédio destruído em Antáquia, ouviu aplausos e graças a Deus. Na mesma cidade, Mehmet Ali Sakiroglu, de 26 anos, e Mustafa Avci, de 34, foram retirados das ruínas de um hospital. Avci pediu imediatamente a um socorrista que lhe emprestasse o telemóvel e telefonou para o irmão. “Sobreviveram todos? Deixa-me ouvir as suas vozes”, terá dito, citado pela AP.
Drama sírio
Do outro lado da fronteira, no Noroeste da Síria, a situação das vítimas parece tanto mais confusa como mais dramática. As estimativas mais recentes apontam para pelo menos 5800 mortos no conjunto das zonas controladas pelo Governo e das controladas pelos grupos armados da oposição – o que perfaz um total de quase 44 mil mortos pelos sismos nos dois países.
É muito possível que o número do lado sírio esteja longe da real dimensão da catástrofe, uma vez que os Capacetes Brancos (como são designados os voluntários da Defesa Civil Síria) afirmam que há muita gente ainda soterrada nas zonas sob controlo da oposição a Bashar al-Assad e queixam-se de não terem a maquinaria pesada e outro equipamento que seria fundamental para as operações de busca.
Enterrar os mortos e cuidar dos vivos é a prioridade absoluta neste momento e a ONU garante estar a dar resposta. A organização diz já ter enviado 142 camiões com mantimentos, cobertores e outros bens essenciais desde a quinta-feira da semana passada. Assad autorizou entretanto a utilização de mais dois postos fronteiriços para a passagem de ajuda humanitária e, nesta quinta, seis veículos entraram paral fronteira de Bab al-Salam, a Norte de Alepo.
No seu mais recente relatório de situação, publicado esta sexta, o gabinete para a Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU avança números que dão uma ideia das necessidades. Pelo menos 40 mil famílias ficaram desalojadas; outras 50 mil precisam de tendas ou abrigos de emergência; 88 mil famílias não têm acesso a colchão, cobertores e roupa quente; suspeita-se que mais de 47 mil pessoas estejam com cólera e mais de 50 hospitais e clínicas ficaram total ou parcialmente destruídos.
Além disso, a organização diz-se especialmente preocupada com a situação das crianças, “muitas das quais cresceram conhecendo apenas o desalojamento e o conflito.”