A felicidade tem a forma de um cão

Se tenho alguma convicção na vida, e são cada vez menos, muito poucas mesmo, é a de que os cães são anjos na Terra que trazem alegria.

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Os cães são anjos na Terra Unsplash

Toda a gente sabe, ou se não sabe devia saber, que os cães são anjos na Terra. O meu primeiro cão chamava-se Pluto. Quis dar-lhe esse nome porque adorava o canino homónimo dos desenhos animados que via aos domingos de manhã na RTP. O Pluto era um rafeiro baixinho com pêlo de arame branco e castanho, não me lembro como veio para a nossa casa, parece-me sempre que os cães vêm de outro planeta, seja uma rua abandonada ou, como acontecia há uns anos, da montra de uma loja.

O Pluto vivia connosco mas fora de casa, numa casota improvisada pelo meu pai no quintal, mesmo ao lado do tanque de cimento onde a minha mãe lavava a roupa, muito antes de termos uma máquina de lavar. Os meus pais não queriam o Pluto dentro de casa, diziam que cheirava mal e que sujava tudo com as suas patitas sempre sujas de pó ou lambuzadas de lama. Eu gostava do odor que exalava do pêlo dele, mistura de sujidade e liberdade fora de casa.

O Pluto gostava de perseguir-me na minha bicicleta, corria atrás de nós e ladrava participando da festa que era a infância na soltura da rua. Estar junto dele era sempre perfeito, enchia-me de sentimentos bons que eu ainda não sabia dizer, como a amizade e o companheirismo. Gostava de olhar para os seus olhinhos redondos cor de mel mendigando por um pedaço do meu pão com manteiga, sentados os dois nos degraus do quintal da casa. Era fácil satisfazer-lhe o apetite e dar-lhe alegria partilhando irmãmente o meu papo-seco com os seus dentes. Fomos muito amigos, eu e o Pluto.

Recentemente voltei a lembrar-me dele e de outros que tive, e que vivem agora no céu dos cães, porque li o livro da Isabela Figueiredo, Um Cão No Meio do Caminho. Lembrei-me dos meus cães todos — o Pluto, a Canina, o Matias, a Lola. Todos anjos que fizeram parte do meu quotidiano durante anos, que preencheram a minha vida com sentimentos genuínos e bons, de uma forma que pouco humanos conseguiram fazer.

Hoje não tenho cães porque é mesmo impossível, a minha filha tem alergia ao pêlo dos caninos. Mas sei que um dia voltarei a tê-los. Daqui a uns anos, quando for velhinha e a minha filha tiver a vida dela, voltarei a ter um cão comigo, em minha casa. Sei que os cães são os melhores amigos que uma mulher pode ter. E estou-me nas tintas para o cliché contido nesta frase. Se tenho alguma convicção na vida, e são cada vez menos, muito poucas mesmo, é a de que os cães são anjos na Terra que trazem alegria. A felicidade tem a forma de um cão. E eu quero envelhecer com alegria.

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