Tentar lidar com os impactos do aquecimento global pode estar a afastar-nos da raiz do problema, alerta o relatório divulgado esta quinta-feira pelos think tanks Institute for Public Research e Chatham House. O mundo arrisca-se a entrar num “círculo vicioso de destruição” climática, focando-se apenas em tratar os sintomas sem pensar de forma séria como poderá cortar as emissões de carbono e alcançar os objectivos do Acordo de Paris: manter o aumento da temperatura abaixo dos 1,5ºC.
No relatório, o think tank olha para “o debate crescente sobre se é agora inevitável que o aquecimento global vá ultrapassar o objectivo internacional de 1,5ºC”.
Quem argumenta a favor, arrisca-se a perpetuar o ritmo lento das mudanças que foram acontecendo até agora. Quem argumenta contra, apoia uma visão fatalista: resta muito pouco por fazer e é necessário optar por abordagens mais extremas, como a geoengenharia.
“É preciso um esforço sistemático para enfrentar as ameaças e encontrar oportunidades para uma acção ambiental rápida desencadeada pelo aprofundamento das consequências da crise: para tornar a própria transição verde mais resiliente”, lê-se na introdução do relatório “1.5C- Mortos ou vivos? — Os riscos para a mudança transformacional que advêm de alcançar ou falhar o objectivo do Acordo de Paris”.
Caso esse esforço não exista, “o mundo pode avançar para uma espiral de desastres ambientais e reacções defensivas contraproducentes”.
“Entrámos, infelizmente, num novo capítulo da crise climática e ecológica”, disse Laurie Laybourn, investigador e um dos autores do relatório, ao Guardian. “A guerra contra as falsidades está a chegar ao fim e as consequências reais vão apresentar-nos decisões difíceis. Podemos caminhar para um mundo mais sustentável, mais equitativo. Mas a nossa capacidade de navegar pelos desastres enquanto nos mantemos concentrados durante a tempestade é fundamental".
O que se pode fazer?
“As emissões globais chegaram ao seu ponto mais alto em 2022. As políticas climáticas ainda estão focadas de forma predominante na mudança gradual sector a sector, o que já mostrou ser inadequado”, lê-se no relatório. Então, o que se pode fazer?
O think tank propõe uma melhor resposta em diferentes áreas: ao nível político, ao nível das políticas e da análise.
Em termos políticos, pedem novas narrativas, que sejam capazes de responder de forma satisfatória a quem quer bloquear a mudança necessária e que consigam espelhar os desafios crescentes do futuro. As narrativas podem aumentar ou erodir a capacidade de mudança, defendem, e as actuais ainda não foram capazes de trazer mudança suficiente — deviam, antes, focar-se nos grandes benefícios da acção climática.
O relatório pede ainda mais atenção às políticas de emergência, que vão tornar-se cada vez mais globais no caso da crise climática – um pouco como já aconteceu com a resposta à covid-19. Por exemplo, como quando se fala da ideia de pôr os países mais desenvolvidos – e que também têm emissões de carbono mais elevadas – a ajudar comunidades afectadas pelo aumento da temperatura.
Salienta-se ainda a necessidade de manter a confiança das populações. Para isso, é preciso pensar na justiça das medidas e envolver a população. A mudança tem de ser alcançável: não pode ser algo que as comunidades não consigam pagar.
Quanto às políticas, o relatório coloca a tónica na capacidade gerar uma “transformação do sistema”. É preciso pensar em todo o planeta como um sistema: o que afecta uma comunidade pode afectar o mundo inteiro, mesmo áreas que não são tradicionalmente associadas à crise climática. Os desastres em larga escala formam uma cascata de problemas — não apenas para um país, mas para o mundo.
Por exemplo, o aumento da temperatura e os desastres climáticos podem gerar escassez de comida ou promover migrações – com potencial para agravar sentimentos de hostilidade contra refugiados climáticos.
“O que mais me preocupa é não estarmos a ter em conta o efeito de cascata para as sociedades”, disse Laybourn ao Guardian. “Não é só com as tempestades que destroem grandes cidades que nos devemos preocupar, são as consequências para os sistemas globalizados.”
Por último, é preciso melhorar as análises que dão origem às políticas e melhorar a comunicação destes problemas complexos, diagnostica o relatório.
E treinar os líderes do futuro: “É preciso um esforço para ajudar as populações a enfrentar e preparar-se para a magnitude dos desafios que se avizinham. Uma necessidade particular é ajudar as gerações mais jovens, que vão arcar com o maior peso do risco estratégico ao longo das suas carreiras, que se vão estender para lá e 2050, quando os objectivos globais deveriam ser alcançados”, lê-se na conclusão.