Atirador racista de Buffalo condenado a prisão perpétua sem liberdade condicional

Payton Gendron matou dez pessoas negras num supermercado na cidade do estado de Nova Iorque, e justificou as suas acções com uma tese conspirativa conhecida como “A Grande Substituição”.

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Leslie VanGiesen, mãe de uma das vítimas do atirador, mostra uma fotografia da filha, Roberta Drury Reuters/POOL

O atirador que matou dez pessoas negras num supermercado na cidade de Buffalo, no estado norte-americano de Nova Iorque, em Maio de 2022, foi condenado a prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.

Payton Gendron, de 19 anos, transmitiu o ataque em directo e justificou as suas acções com a teoria da conspiração conhecida como "A Grande Substituição" — uma tese conspirativa segundo a qual as populações brancas dos Estados Unidos e da Europa estão a ser substituídas por minorias, de forma propositada.

Numa sessão marcada por uma tentativa de agressão a Gendron por um familiar de uma das vítimas, a juíza Susan Eagan, do tribunal do condado de Erie, formulou o desejo de que a geração actual seja capaz de "pôr fim à história de supremacia branca" nos EUA. "Nós somos capazes de fazer melhor, e temos de fazer melhor", disse Eagan.

"Não há lugar para si, nem para a sua ideologia ignorante e odiosa", disse a juíza, dirigindo-se a Gendron. "Não pode haver misericórdia para si, nem segundas hipóteses. Os danos que você provocou são demasiado grandes. E as pessoas que você prejudicou são muito valiosas para esta comunidade. Você nunca mais verá a luz do dia como um homem livre."

"Eu fiz uma coisa terrível", disse Gendron durante a sessão desta quarta-feira. "Matei pessoas só porque elas eram negras. Olhando para trás, nem acredito que o fiz."

A declaração do atirador foi recebida com indignação por familiares das vítimas, com Gendron a ser acusado de não estar a ser sincero.

"Tu vieste à nossa cidade e decidiste que não gostavas de pessoas negras? Tu não sabes nada sobre os negros", disse Barbara Massey, irmã de uma das pessoas mortas por Gendron, Katherine Massey.

"Nós somos humanos. Queremos que os nossos filhos frequentem boas escolas. Amamos os nossos filhos. Não vamos a nenhuma comunidade matar as pessoas que lá vivem."

Conspiração racista

Segundo as investigações da polícia, o norte-americano viajou mais de 300 quilómetros para matar o maior número possível de pessoas negras no coração da comunidade afro-americana de Buffalo.

Em menos de seis minutos — desde os primeiros disparos até à sua detenção pela polícia —, Gendron matou dez negros, incluindo funcionários e clientes de um supermercado da cadeia Tops Friendly Markets.

Gendron imitou o australiano que matou 51 pessoas em duas mesquitas na cidade neozelandesa de Christchurch, em Março de 2019, e transmitiu o ataque em directo através de uma câmara colocada no seu capacete.

À imagem do atirador de Christchurch, Gendron também publicou um manifesto em que se assumiu como anti-semita e em que acusou a população negra de estar a “substituir etnicamente” a população branca — “o meu povo”, segundo as suas palavras.

O ataque em Buffalo foi o terceiro, desde 2018, com uma motivação muito particular dentro do fenómeno mais alargado da violência racial: a tese conspirativa, até há poucos anos confinada às margens mais extremistas dos supremacistas brancos, de que a população branca e cristã dos EUA está a ser substituída por negros, judeus, muçulmanos e hispânicos.

A conspiração foi popularizada pelo ideólogo francês Renaud Camus, e a tese original é a de que a população europeia está a ser substituída por habitantes de países africanos.

Chegada aos EUA, a ideia foi adoptada pela extrema-direita e ganhou visibilidade após a eleição de Donald Trump, em 2016; hoje em dia, é repetida por congressistas republicanos e promovida no canal Fox News por Tucker Carlson, um dos pivôs mais populares entre o eleitorado de Trump.

Possível pena de morte

Acusado e considerado culpado de homicídio e terrorismo no estado de Nova Iorque, Gendron nunca poderia ser sentenciado a outra pena que não fosse a prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional, segundo as leis do estado.

Num processo paralelo, que decorre no sistema federal dos EUA e onde Gendron foi acusado de crimes de ódio, o Departamento de Justiça ainda não anunciou se vai pedir a pena de morte.

Em Julho de 2021, o procurador-geral dos EUA, Merrick Garland, anunciou a suspensão das execuções de presos que foram condenados à morte no sistema federal, mas não instruiu o Departamento de Justiça a não pedir a pena capital em novos julgamentos.

Durante a campanha presidencial de 2020, o actual Presidente dos EUA, Joe Biden, prometeu trabalhar com o Congresso para abolir a pena de morte no sistema federal.

Desde então, poucos passos foram dados nesse sentido, e não se vislumbra que um tema tão fracturante nos EUA como a pena de morte possa vir a gerar consenso suficiente no Congresso norte-americano nos próximos anos.

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