Se não forem tomadas medidas de conservação, o lince-euroasiático (Lynx lynx) deverá desaparecer de França nos próximos 30 anos, revela um estudo publicado esta semana na revista científica Frontiers in Conservation Science. A falta de diversidade genética nesta pequena população de linces das montanhas do Jura é um dos principais motivos para o seu declínio.
O estudo mostra que a população do Jura em território francês já tem uma diversidade genética “extremamente baixa” e que só vai decrescendo “a cada geração”, explica ao PÚBLICO o principal autor do estudo, Nathan Huvier.
Esta falta de diversidade genética pode gerar maior risco de doenças, reduzir a aptidão física dos linces e impedir que os animais se adaptem a mudanças no ambiente. Uma população com pouca diversidade genética está mais condenada ao colapso – neste caso, à extinção local em França.
Uma estimativa aponta para que haja apenas entre 120 a 150 destes linces em território francês. Destes, só 38 animais têm um perfil genético suficientemente “saudável” para permitir a continuidade da espécie. Actualmente, as populações deste lince mais saudáveis estão nos Cárpatos, no Norte da Europa e na Escandinávia.
No século XVIII, os linces-euroasiáticos tinham desaparecido de França por causa da desflorestação, da caça e de uma disponibilidade cada vez menor das presas de que se alimentam. Depois, esta espécie de felino selvagem foi reintroduzida na Suíça na década de 1970, com linces da região dos Cárpatos que acabaram por passar a fronteira na cordilheira do Jura, já na década de 1980. Desde aí, pouco se avaliou o estado de conservação destes felinos, lê-se no artigo.
“Quarenta anos após o seu regresso em França, seria de esperar um número mais elevado de indivíduos”, escrevem os cientistas. Além das colisões com carros e caça, o estudo mostra que um dos principais motivos para a sua quase extinção é a “diversidade genética extremamente baixa”.
“Ponto crítico”
Como consequência desses elevados níveis de consanguinidade, “esta população irá provavelmente entrar em colapso e quaisquer alterações ambientais terão efeitos negativos fortes, já que a população não é suficientemente forte para se adaptar a essas novas mudanças”. Isto se não for introduzido novo material genético.
Com esta falta de diversidade genética, os investigadores estimam que o lince possa desaparecer de França em 30 anos. Passadas essas três décadas, deverão atingir um “ponto crítico” que não permitirá que esta população recupere, diz Nathan Huvier, que faz parte do centro de recuperação de linces Centre Athenas, Centre Athénas, que fica no Leste de França, já perto da Suíça.
Para os salvar, os cientistas sugerem que haja uma introdução de novo material genético através de novos linces e com programas de “troca” de linces órfãos incluídos em projectos de outros países igualmente dedicados ao resgate e reintrodução destes linces na natureza.
Ainda assim, este é um tópico sensível. O investigador francês do Centre Athénas explica que os linces são predadores e caçam corças e camurças, sendo que as corças são das espécies mais caçadas por humanos. “Os caçadores culpam o lince e outros predadores por lhes roubarem as presas, causando um conflito unilateral”; com esta tensão, a introdução de mais linces e predadores “fica difícil”, refere.
Como esta já é uma população frágil, as 88 amostras genéticas de lince recolhidas entre 2008 e 2020 eram de linces que morreram atropelados ou que tinham sido recolhidos para tratamento. Destas amostras, só 78 estavam em condições de serem usadas. As amostras recolhidas eram de sangue, músculos e pêlo de linces.
Mais fiscalização
Como se lê no estudo, as barreiras naturais impedem os linces de se moverem para outras zonas e de se encontrarem com outros linces. A pressão gerada pela presença humana é também cada vez maior. Alguns linces em França acabam por ser atropelados (só em 2022 ocorreram 22 atropelamentos) ou caçados de forma ilegal (foram registados três casos em 2022), diz-nos o investigador francês. Estes factores causados pela mão humana “aceleram o desaparecimento deste lince em França”.
Nathan Huvier diz mesmo que é preciso haver mais fiscalização quanto à caça ilegal, aplicando sanções mais elevadas. Quanto aos atropelamentos, considera que é preciso haver sensibilização para a presença destes linces, o que pode ser feito através de sinais na estrada, “que tiveram bom resultado com os linces-ibéricos”. E as acções devem acontecer o quanto antes, defendem os investigadores no estudo.
Nathan Huvier explica que os linces-euroasiáticos que encontramos em França são “primos afastados” dos linces-ibéricos, que acabam por estar geneticamente mais próximos dos linces-canadianos.
Os linces-euroasiáticos são uma espécie ameaçada que pode viver desde a Ásia até à Europa central. Não existem em Portugal, mas os seus “primos” linces-ibéricos também estiveram quase a desaparecer no final da década de 1990 por falta de diversidade genética (além da caça, dos atropelamentos e da destruição de habitats).