Bactéria Xylella fastidiosa já levou à criação de sete Zonas Demarcadas na região Norte

Bactéria devastadora para a agricultura foi detectada nos concelhos de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Santa Maria da Feira e Vila Nova de Gaia.

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As oliveiras são uma das plantas afectadas por esta bactéria Sergio Azenha

A bactéria Xylella fastidiosa, detectada há quatro anos em Portugal e associada a doenças que foram "devastadoras para a agricultura", já levou à criação de sete Zonas Demarcadas a Norte, afectando a produção de "espécies de elevado valor económico".

Classificada como "bactéria de quarentena" pela Organização Europeia para a Protecção das Plantas (EPPO), em Portugal, a Xylella fastidiosa foi detectada, em Janeiro de 2019, em plantas de lavanda num zoo em Vila Nova de Gaia, no Porto.

A sua detecção levou à definição da primeira zona demarcada do país - a Área Metropolitana do Porto (AMP) - e, desde então, a região Norte conta já com sete zonas demarcadas: AMP, Alijó, Baião, Bougado, Mirandela e Mirandela II, e Sabrosa.

Cientificamente classificada como uma "bactéria grã-negativa que tem uma relação endofítica com a planta", a Xylella fastidiosa "vive dentro da planta", mais concretamente, nos vasos xilémicos que transportam água e nutrientes das raízes para os caules e folhas, explicou à Lusa Ana Aguiar, professora da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

A sua transmissão pode decorrer da actividade humana, através do transporte de plantas contaminadas, mas também de uma planta infectada para uma planta sã, através de insectos como a cigarrinha-das-espumas, que perfura o xilema da planta para extrair água e nutrientes.

Árvores, arbustos e plantas herbáceas - vulgares em espaços urbanos e rurais ou de "elevado valor económico" - podem ser hospedeiras desta bactéria, tais como a oliveira, videira, amendoeira, citrinos, sobreiro, acácia, nogueira, plátano, rosmaninho ou alecrim.

Devastadoras para a agricultura

Segundo Ana Aguiar, esta bactéria está associada a "doenças que foram devastadoras para a agricultura", como a doença de Pierce (causa da destruição, no século XIX, de milhares de hectares de vinha na Califórnia, nos Estados Unidos da América) ou a doença da clorose variegada dos citrinos (que no final do século XX dizimou milhares de laranjeiras na Baía, no Brasil).

"Há por isso receio que esta bactéria, que surge associada a doenças de plantas com elevada importância económica, se espalhe e seja causa de prejuízos na agricultura em Portugal e noutros países da Europa", observou a investigadora do centro GreenUPorto e doutorada em Engenharia Agronómica.

De acordo com o plano de acção para a erradicação da Xylella fastidiosa, da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), na Zona Demarcada na AMP "foram detectados focos em espaços públicos, jardins particulares e vegetação espontânea" nos concelhos de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Santa Maria da Feira e Vila Nova de Gaia.

Nestes territórios, a bactéria foi detectada em várias espécies vegetais, tais como o castanheiro, limoeiro, laranjeira, ácacia-mimosa, erva-das-pampas, estrelícia e videira.

Em Baião (distrito do Porto), a Xylella fastidiosa infectou plantas da espécie piracanta, tendo a DGAV estabelecido a Zona Demarcada a 14 de Novembro de 2022.

Depois de detectada Xylella fastidiosa em oliveiras, a DGAV estabeleceu a 21 de Novembro de 2022 a Zona Demarcada de Mirandela (distrito de Bragança). Um mês depois, a confirmação da presença da bactéria em rosa da síria, levou a DGAV a estabelecer a Zona Demarcada de Mirandela II.

Em Alijó (distrito de Vila Real), a Zona Demarcada foi estabelecida por despacho a 19 de Dezembro de 2022 depois de detectada Xylella fastidiosa em pessegueiros.

Já este ano, a DGAV estabeleceu, a 17 de Janeiro, a Zona Demarcada de Bougado (no concelho da Trofa) depois de detectada Xylella fastidiosa em alecrim e, a 9 de Fevereiro, a Zona Demarcada de Sabrosa (distrito de Vila Real) depois de detectada em carvalho-negral.

As Zonas Demarcadas estabelecidas pela DGAV compreendem as "Zonas Infectadas", que incluem todos os vegetais que se encontram num raio de 50 metros da planta infectada, e a "Zona Tampão" de, pelo menos, 2,5 quilómetros, circundando a zona infectada.

A destruição imediata no local, a proibição de plantação dos vegetais susceptíveis à bactéria, a proibição do transporte para fora da Zona Demarcada de qualquer vegetal destinado à plantação e a proibição de comercialização em feiras e mercados de qualquer vegetal, destinado à plantação e susceptível à bactéria, são algumas das medidas de erradicação da Xylella fastidiosa.

Medidas para erradicar Xylella fastidiosa "não são adequadas"

Uma investigadora da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto afirmou esta terça-feira que as medidas de erradicação da Xylella fastidiosa "não são as adequadas", defendendo que as plantas que não manifestam danos podem ser fundamentais para resolver o problema.

Em declarações à agência Lusa, a investigadora Ana Aguiar, docente na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), salientou que "destruir plantas que não manifestam danos [depois de infectadas pela Xylella fastidiosa] poderá ser um erro".

Destacando que com algumas plantas pode ser desenvolvida uma "relação de comensalismo", Ana Aguiar defendeu a importância de se "preservar" esse material vegetal que "poderá ser fundamental na resolução do problema".

"Antes de destruir as plantas, e nesta fase em que a Xylella fastidiosa está presente, mas não causa prejuízos para a agricultura, é urgente envolver os investigadores, financiando o trabalho da ciência", observou.

Entre as medidas de erradicação da Xylella fastidiosa, que constam do plano da DGAV, destaca-se a obrigatoriedade de abater, num raio de 50 metros, as plantas que testem positivo à bactéria e todas as da mesma espécie que, num raio de 2,5 quilómetros, tenham testado positivo.

À Lusa, Ana Aguiar afirmou que em Portugal há "muito conhecimento acumulado na área da protecção das plantas" e defendeu que, à semelhança de outras doenças que afectam espécies vegetais, "importa olhar não só para a bactéria, mas para todos os elementos que compõem o tetraedro epidemiológico", nomeadamente, a planta, o agente causal da doença, o ambiente e os vectores.

"Temos uma lista de mais de 500 plantas susceptíveis, mas, à semelhança do que está a ser feito no Brasil com os citrinos, nos Estados Unidos da América com a vinha e em Itália com a oliveira, importa encetar programas de identificação de variedades resistentes a Xylella fastidiosa", referiu, notando que uma vez estabelecida a relação bactéria/doença, importa "conhecer a estirpe e mapear o seu genoma".

A importância da investigação

Caracterizar o ambiente em que a bactéria foi detectada (condições meteorológicas, solo, vegetação circundante e práticas agronómicas) e conhecer os "hábitos" dos vectores da Xylella fastidiosa, como a cigarrinha-das-espumas, são também aspectos que a investigadora considera importantes incluir no combate a esta bactéria.

"Perante um problema tão sério que levou à definição pela União Europeia de um conjunto de medidas de aplicação imediata, é essencial que a ciência dê a sua contribuição para encontrar soluções para, em estreita colaboração com os serviços do Ministério da Agricultura, evitar uma catástrofe económica como a que aconteceu na região da Apúlia em Itália ou o abate desnecessário de plantas onde a bactéria não causou prejuízos", acrescentou Ana Aguiar.

A investigadora integra, neste momento, um projecto que visa estudar o ciclo de vida e o comportamento da cigarrinha-das-espumas, insecto considerado por vários especialistas como o "principal vector" da Xylella fastidiosa na Europa.

Financiada em 200 mil euros pela Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA), a investigação, intitulada Biology of xylem-sap feeding insect vectors and potential vectors of Xylella fastidiosa in Portugal, pretende estudar a cigarrinha-das-espumas, espécie presente em toda a Europa e "muito frequente" em Portugal, que se alimenta do xilema de uma multiplicidade de plantas hospedeiras, desde árvores a arbustos ou plantas herbáceas.

"Com o seu estilete característico da armadura bucal picadora-sugadora, [a cigarrinha-das-espumas] perfura o xilema da planta para extrair água e nutrientes", esclareceu a investigadora, acrescentando que nos estados juvenis, a espécie envolve-se numa "massa de espuma", facilmente visível nas folhas e nos caules das plantas.

A investigação, que decorre até 2025 e é liderada pelo Instituto Politécnico de Bragança, envolve o Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, o Instituto Nacional de Investigação Agrária, a DGAV e o Laboratório InovPlantProtect.