A minha paciente tinha 30 e poucos anos, era muito calma e determinada. Foi diagnosticada com diabetes na consulta de medicina do trabalho. Na família tem casos de diabetes e hipertensão e o pai morreu na casa dos 50 de um problema cardíaco.
Como médica dela, o meu papel é evitar que tenha o mesmo caminho. Falámos sobre os objectivos dela: queria evitar medicação e perder peso. Aconselhei-a a fazer dieta e exercício físico e agendámos uma consulta dali a três meses para acompanhar o progresso.
Na consulta seguinte, ela estava desanimada e retraída. Tinha ganho sete quilos. Imprimi informações sobre a dieta mediterrânica e ela olhou de relance para eles, hesitante. Ao senti-lo, sugeri que ela começasse a tomar metformina, uma medicação usada para tratar a diabetes, mas ela recusou. “Perder peso é muito difícil”, disse-lhe. Ela nunca mais regressou ao consultório depois disto.
Penso muitas vezes em como falhei a essa paciente e em como médicos falham a pacientes como ela constantemente. O que eu e a maior parte dos médicos aprendemos é que perda de peso é tão simples como “comer calorias, perder calorias; comer menos, mexer mais”.
Nas entrelinhas, é explicado a salas cheias de estudantes de medicina, maioritariamente magros, que o peso é uma questão de força de vontade e que quem é mais gordo não a tem.
Eu sou considerada um tamanho médio, mas o meu índice de massa corporal insere-me nos 70% de americanos que estão acima do peso. Até eu me lembro de baixar a cabeça com vergonha durante essas palestras que raramente diziam a verdade: o ganho de peso é governado por uma desregulação hormonal e metabólica, muitas vezes fora do controlo dos pacientes.
A verdade é que os médicos não aprendem muito sobre nutrição ou controlo de peso e a falta de informação significa que a “gordofobia” que persiste fora de um consultório médico também se amplifica dentro dele.
As consequências são terríveis: no meu curto espaço de tempo como médica, cuidei de vários pacientes que procuravam os médicos com sintomas que justificavam uma avaliação padrão, mas, ao invés disso, foram dispensados e instruídos a perder peso.
No momento em que os voltei a ver, fosse nas emergências ou no consultório, os sintomas tinham, por norma, aumentado. A um paciente que tinha falta de ar mandaram-no perder peso e, na verdade, ele tinha coágulos de sangue nos pulmões. Outro paciente que sofria de excesso de peso e uma grande dor de estômago apresentava uma doença intestinal inflamatória.
Os médicos a que tinham ido prestaram sempre mais atenção ao número na balança que aos sintomas que apresentavam e agora tinham complicações ou estavam traumatizados pela demora no diagnóstico.
Pacientes com excesso de peso são tratados de forma diferente
A obesidade está ligada a uma discriminação significativa. Estudos mostram que os médicos tratam os pacientes com excesso de peso de maneira diferente, muitas vezes achando-os menos colaborativos, motivados e, em suma, menos merecedores de empatia.
Nos últimos anos, fiz um grande esforço para me educar ao ler vários livros e seguir contas nas redes sociais que falam sobre neutralidade corporal e gordofobia. Dei por mim a dar de caras com a mesma verdade constantemente: que muitas pessoas com obesidade associam ir ao médico a algo extremamente mau.
Uma amiga que teve acesso aos registos médicos da infância descobriu que o médico que ela tanto gostava a descreveu como “gordinha” numa nota. Vários relatos discutem a ideia de evitar consultas médicas de propósito para não serem julgados ou repudiados por existirem no próprio corpo.
Entre eles está Susanne Johnson, uma enfermeira que quer combater a gordofobia. “O consultório médico adora comparar o aumento de peso com os maus resultados de saúde, mas nunca parece considerar como é estar do outro lado”, disse Susanne.
Ela descreve as consequências de, na medicina, envergonhar alguém pelo peso, quando, por exemplo, enfatizam que uma doença crónica é uma consequência do peso. Ao fazê-lo, estão a direccionar o paciente numa espiral de vergonha que diminui o objectivo de tratá-la. Também torna menos provável que as pessoas voltem para continuar o tratamento.
A decisão dos pacientes de não ir à balança devia ser apoiada
Para pacientes com obesidade, ir às consultas médicas pode ser como entrar num campo de minas. Em primeiro lugar, os pacientes devem sentir-se à vontade para fazer perguntas sobre as pesagens de rotina das consultas, que muitas vezes são estigmatizantes.
Em segundo, pacientes que querem perder peso devem perguntar ao médico que opções têm, incluindo medicações que, em alguns casos, podem estar abrangidas pelo seguro. Estes fármacos, conhecidos como agonistas GLP-1, já deram provas dos benefícios no que diz respeito a diabetes, assim como a problemas de rins, fígado e cardiovasculares. Se os médicos não têm conhecimento sobre opções de perda de peso, pede-lhes para que investiguemou procurem referências.
Terceiro, nenhum paciente deve ser desumanizado durante as interacções com um membro de uma equipa de saúde. Caso os pacientes sintam que estão a ser julgados ou que os cuidados médicos prestados estão a ser indevidamente influenciados pelo peso, devem procurar profissionais mais empáticos.
Por último, todos nós, enquanto sociedade – incluindo médicos e pacientes – devemos parar de considerar a obesidade como um problema de falta de vontade.
Eu só aprendi sobre a complexidade do controlo de peso depois de ganhar uma bolsa de cardiologia, quatro anos depois de me formar em Medicina.
Silvana Pannain é endocrinologista e directora do Chicago Weight um programa de perda de peso e grupo de apoio na Universidade de Medicina de Chicago. Como parte da minha disciplina opcional de prevenção cardiovascular, passo algum tempo na clínica de controlo de peso dela.
Quando um paciente é descrito como “obeso”, Pannain corrige: “Eles têm obesidade, não são obesos.” “A obesidade”, explica, “é a nova hipertensão”. Tal como a hipertensão, os diabetes são uma doença crónica, complexa e progressiva, que permite muitas recaídas e que está associada – mas não dependente – do estilo de vida. Esta definição foi apoiada por várias associações médicas proeminentes, como o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças, a Associação Médica Americana e a Associação Médica da Obesidade.
Um novo paciente que não quer falar de peso
Mesmo antes de conhecer Pannain, precisava de mudar a minha abordagem em relação a pacientes com obesidade. No meu último ano como estudante interna de Medicina, conheci uma paciente que me pediu ajuda para tratar a tensão alta.
A enfermeira informou-me, um pouco chateada, que a paciente se tinha recusado a ser pesada antes da consulta. Mas, em vez de insistir com ela para ir à balança, usei-o como uma ponte para chegar até ela. A paciente descreveu-se como gorda e disse, abertamente, que não queria discutir peso.
Mudámos a abordagem e falei com ela sobre a qualidade do sono dela, comidas saudáveis e actividade física extra que pode ajudá-la a evitar medicação para a tensão alta. Dado o meu conhecimento limitado sobre nutrição, indiquei-lhe um nutricionista.
Ao longo de um ano, a minha paciente passou de não ser capaz de fazer mais de dois quarteirões a pé para dar quatro voltas numa pista por dia. Ao respeitar a própria autonomia e não diagnosticar o corpo dela, consegui ajudá-la a caminhar em direcção a uma melhor qualidade de vida.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Shirlene Obuobi é bolseira no segundo ano em cardiologia no Centro Médico da Universidade de Chicago. É autora de On Rotation.