Quando era professora, pedi licença sem vencimento e mudei-me para a Guiana, onde fiz voluntariado durante dois anos. Lá conheci a Selina, que também tinha pedido licença sem vencimento. Findo o projecto de voluntariado, a Selina voltou à sua escola na Holanda, e eu falhei na minha tentativa de regressar. Quando a minha amiga voltou, passou a trabalhar quatro dias por semana. Ela continuou a criar experiências de aprendizagem excelentes, e a fazer a diferença em cada dia de trabalho. Dedicação total a tempo parcial.
Como foi o meu regresso ao ensino em Portugal? Falhei. Como o meu projecto de voluntariado terminou a meio do ano lectivo, eu não podia voltar à minha escola apesar de precisarem de mim, porque a licença era até ao final do ano lectivo e a flexibilidade não existe. O final do projecto coincidiu com o início da reforma de uma colega e eu ofereci-me para preencher a vaga, mas recebi uma resposta ofendida das entidades competentes. Fizeram-me sentir que estava a tentar enganar alguém. O resultado? Os miúdos continuaram sem aulas.
Resolvi então procurar trabalho além-fronteiras e candidatei-me a uma substituição de dois meses numa escola privada, convencida de que não gostaria do trabalho, por sentir que a minha missão tinha lugar em escolas públicas. No fim de contas, os dois meses transformaram-se em cinco anos, porque eu adoro trabalhar com jovens.
Enquanto vivi no estrangeiro, fiz um mestrado, trabalhei com currículos diferentes e aprendi a ser melhor professora e coach. Quando tentei voltar ao ensino público em Portugal, esbarrei na irracionalidade do processo de recrutamento. Ainda quero voltar à escola pública a tempo parcial, mas esta ideia não é aceite.
Partilho dois pontos curiosos. Quando o ensino de Inglês no primeiro ciclo se estava a generalizar, eu era formadora de professores para o Ministério da Educação (ME). Sou co-autora das orientações programáticas e tenho um mestrado em Ensino de Inglês para falantes de outras línguas (TESOL), pela Universidade de Nottingham. Fui perita de Inglês para o ME. Segundo: em Portugal, eu não tenho a certificação necessária para dar aulas de Inglês no primeiro ciclo, ou seja, não posso dar aulas para um currículo de que sou co-autora.
Os dois pontos confundem? A mim também. Mas chega de mim, porque temos em mãos uma abismal crise do futuro e uma oportunidade em potência. É urgente acreditar que melhor é possível, e assim deixo algumas das ideias.
Excelência: as escolas públicas têm de ser lugares de excelência participativa, onde a inovação e o sentido de comunidade estão presentes. Uma escola onde familiares e entidades locais tenham papéis activos.
Relações: as relações impactam a saúde e a longevidade. Lamentavelmente, as relações que se vivem na escola e à sua volta estão doentes. Precisamos de confiar mais e de exigir mais também. Um mau professor será ajudado a melhorar práticas, e se mesmo assim demonstrar falta de qualidade pedagógica, precisa de coaching para explorar áreas profissionais mais alinhadas com os seus valores.
Paixão: eu acredito que a paixão é essencial para se estar no ensino. É urgente pagar salários mais justos, e ao mesmo tempo reconhecer que nunca haverá dinheiro que pague o impacto que um professor pode ter na vida dos alunos.
Equipa: A monodocência não nos serve, porque a experiência das crianças fica mais enriquecida ao trabalhar com uma equipa, e a melhor forma de ensinar colaboração é através da colaboração.
Investigação-acção: Um bom professor é um investigador, um ávido leitor e um estudante. É um trabalho intenso que exige pausas para reenergizar (vejam o que se faz na Alemanha). Estas paragens são essenciais para que os professores estejam nas escolas pelos motivos certos e não por obrigação.
Recrutamento: Os actuais concursos têm por base a crença de que não se pode confiar em ninguém, focam-se em aspectos menos relevantes e atiram professores país afora. É urgente criarmos sistemas de recrutamento que respondam às especificidades de cada escola com professores compatíveis e motivados.
A escola precisa de ti. Se não for agora, então quando?