José Pinhal: o cantor esquecido que se tornou ícone de culto chegou ao The Guardian

“O mundo não estava preparado para ele”, diz o jornal britânico. Nos últimos anos, José Pinhal tornou-se um caso peculiar de sucesso junto de uma geração que nem tinha nascido quando o cantor actuava.

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As 300 cópias da edição em vinil do primeiro álbum de José Pinhal esgotaram em duas semanas Tiago Lopes

“Já ouviste falar do José Pinhal?”, perguntava-se, em conversas com amigos, há alguns anos. Hoje, a pergunta mudou: “Como assim, ainda não ouviste José Pinhal?”. Há dias, no início de Fevereiro, o nome do cantor de culto foi além-fronteiras e aterrou no jornal britânico The Guardian.

“O mundo não estava preparado para ele”, pode ler-se no título do texto, assinado por Miguel Rocha. Hoje, 30 anos depois da sua morte, não há dúvidas de que o mundo está mais do que preparado.

A nova vida depois da morte de José Pinhal começou em 2001, quando Paulo Cunha Martins encontrou duas cassetes com canções do artista num apartamento na Travessa da Fontinha, no Porto. A casa tinha sido de Cipriano Costa, agente de José Pinhal.

Desde aí, o cantor popular passou de artista de baile desconhecido a um fenómeno de culto ímpar.

Paulo Cunha Martins confessa que, quando descobriu as cassetes, não imaginava que José Pinhal atingisse a dimensão actual: “Nunca faria ideia, na altura, que isso viesse a ter este efeito de bola de neve que parece que não pára.”

As canções começaram a ser partilhadas entre amigos e acabaram por chegar ao YouTube, onde alcançarem um público mais vasto em Portugal e no Brasil. Em 2013, foi criado um grupo de Facebook chamado “Queremos uma reedição da obra de José Pinhal” que, actualmente, tem perto de mil membros.

Hoje, já toda a sua discografia foi reeditada - excepto o primeiro single, Infância, de 1979, que na plataforma de venda de discos Discogs tem uma única cópia disponível por 290 euros. Quando o clube de vinil Lusofonia Record Club, em 2022, editou 300 cópias do Vol.1 do José Pinhal, estas esgotaram em duas semanas.

À medida que o fenómeno foi crescendo, principalmente entre um público mais jovem, foi criada até uma banda de homenagem: os José Pinhal Post Mortem Experience.

Formados em 2016 para tocar na festa de João Sarnadas (Coelho Radioactivo), o colectivo já levou a música de José Pinhal a festivais como o Paredes de Coura e o Bons Sons. Bruno Martins, voz do projecto, conta há um "sentimento de celebração da obra de José Pinhal" desde o primeiro concerto.

José Nando antes de ser José Pinhal

Enquanto José Pinhal ia ganhando notoriedade na Internet, os novos fãs começaram a tentar juntar as peças e construir a história do artista.

Nasceu em 1952, na freguesia de Santa Cruz de Bispo, em Matosinhos. Antes de usar o nome com que se tornou célebre, era conhecido por José Nando. Começou a actuar nos anos 70 e no final da década venceu o primeiro Festival da Canção do Norte. Em 1979, editaria também o primeiro single, Infância.

Em 1993, morreu num acidente de viação quando regressava de um espectáculo. Ao longo da carreira de cerca de 15 anos lançou três álbuns em cassete Vol. 1, em 1984, Vol. 2, em 1985, e Vol.3, em 1991 — pela editora Nova Força.

Léo Motta, do Lusofonia Record Club, revela que há “muito mais malta nova, até aos 25, 27 anos”, a procurar a música de José Pinhal do que pessoas mais velhas.

Durante a gravação do documentário de Dinis Leal Machado sobre a vida de José Pinhal, A Vida Dura Muito Pouco, Paulo Cunha Martins cruzou-se com pessoas que acompanharam os anos estrada do cantor: “Estávamos na Feira da Vandoma e havia gente que se lembrava, que sabia o que era. Era gente nos seus 60 anos, viram aquilo acontecer em tempo real.” Para Paulo, “a coisa clica com diversas gerações” por ser “música de celebração”. “Ele não pede desculpa por existir. Vai a pés juntos e há ali uma coisa qualquer celebratória e catártica a que o pessoal adere. É música de festa, ao fim e ao cabo.”

Desde que, a 8 de Fevereiro, o nome de José Pinhal surgiu num artigo do The Guardian, Léo Motta revela que a procura pela música do artista sofreu um aumento significativo: quer pela edição física do Lusofonia Record Club, quer nas plataformas de streaming. Pelo menos uns três mil novos ouvintes.” Léo Motta acrescentou ainda, em primeira mão, que, tal como aconteceu com o Vol.1, se espera a edição limitada do Vol.2, “nos próximos dias”.

Bruno Martins, voz dos José Pinhal Post Mortem Experience, não consegue explicar a universalidade da música do cantor popular e limita-se a exaltar a qualidade das composições: “A música é muito boa. Os arranjos, tudo aquilo é mesmo muito bem feito. A voz, a entrega, a maneira de abordar as canções também é muito própria e muito honesta.”

“Muita gente olha, por vezes, para o José Pinhal como gozo ou prazer quase leviano”, por se tratar de música popular, afirmava Dinis Leal Machado ao PÚBLICO em 2020. Três anos depois, Paulo Cunha Martins acredita que, recentemente, “tem havido uma espécie de olhar mais ou menos irónico para a música portuguesa como fonte de inspiração”. “A partir de 2010, quando comecei a passar mais música portuguesa, comecei a perceber que não é só uma coisa de brincadeira. Consegues criar um discurso musical interessante e, acima de tudo, é uma coisa de festa.”

“Porque a vida dura muito pouco / Vamos lá cantar, tu não sejas louco”, já cantava José Pinhal.

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