Pelo menos 12 pessoas que em anos recentes terão integrado o gabinete do enviado especial dos Emirados Árabes Unidos (EAU) para as alterações climáticas, Ahmed Al-Jaber, já estiveram ou continuam ligados à petrolífera estatal da nação. Al-Jaber, que é o director executivo desta petrolífera, vai também presidir à Cimeira do Clima de 2023 (COP28). Segundo a publicação Politico, as Nações Unidas enviaram perguntas ao responsável há cerca de duas semanas. Querem saber até que ponto a independência da equipa que organizará a cimeira climática estará efectivamente garantida.
A descoberta de que funcionários actuais ou antigos da Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC) — assim se chama a petrolífera — terão sido contratados recentemente para fazer parte da equipa que auxilia Ahmed Al-Jaber foi feita pelo Centre for Climate Reporting (CCR), organização sem fins lucrativos de jornalismo de investigação que se centra especificamente no tema das alterações climáticas. A informação foi veiculada em primeira mão pelo jornal britânico The Guardian, publicação a que o CCR “vendeu” esta história.
Os jornalistas desta organização analisaram os perfis de LinkedIn de pessoas que aí indicaram, entre Janeiro de 2021 e Janeiro deste ano, que estão agora a exercer funções no gabinete de Al-Jaber — que é o enviado especial dos EAU para as alterações climáticas desde o final de 2020.
Os EAU “não anunciaram” formalmente a integração destes elementos na equipa, diz ao PÚBLICO Ben Stockton, do CCR. Este jornalista independente explica que, antes de o The Guardian ter publicado o trabalho da organização, esta tentou contactar Ahmed Al-Jaber, para o responsável reagir às descobertas dos jornalistas. Um porta-voz da sua equipa “confirmou que tinham sido recrutados indivíduos da ADNOC, entre outras organizações”, diz Ben Stockton.
O CCR partilhou com o PÚBLICO as capturas de ecrã que fez quando analisou os vários perfis de LinkedIn (a 19 de Janeiro) e um outro documento, privado, que compila o essencial das suas descobertas. Das 13 pessoas cujos percursos profissionais os jornalistas independentes procuraram escrutinar, apenas duas não saltaram da ADNOC imediatamente para a equipa do presidente da COP28.
Uma destas pessoas é uma mulher que nunca fez parte da ADNOC, mas que trabalhou durante quase quatro anos na Abu Dhabi National Energy Company, empresa que também se insere na indústria do petróleo. A outra pessoa é um homem do campo da comunicação que, embora tivesse abraçado outros projectos em anos recentes, trabalhara para a ADNOC no departamento de relações públicas entre 2013 e o começo de 2017.
Citado pelo The Guardian, Sami Joost, porta-voz do gabinete de Ahmed Al-Jaber, disse que “os indivíduos que estão a ser contratados vieram de uma variedade de contextos e sectores”. Afirmou também que os funcionários “não têm obrigações para com os seus antigos empregadores”, estando “totalmente focados” no trabalho de organizar a COP28.
Dito isto, há pessoas que, segundo os seus perfis de LinkedIn, ainda não deixaram a ADNOC. E, de acordo com a Politico, a “equipa principal” da COP28 estará neste momento a trabalhar em dois andares de um edifício usado pelo ministério da Indústria e Tecnologia Avançada dos EAU e junto à sede da petrolífera. Segundo o texto da publicação norte-americana, isto é o que terá motivado as Nações Unidas a questionarem Al-Jaber sobre a independência da equipa organizadora da cimeira climática.
Ahmed Al-Jaber: polémico homem entre o petróleo e as renováveis
Os EAU anunciaram que Ahmed Al-Jaber será o presidente da COP28 na primeira quinzena de Janeiro. O responsável, além de ser director executivo da ADNOC e líder da Masdar Clean Energy, empresa de energias renováveis, é também ministro da Indústria e Tecnologia Avançada dos EAU.
A agência de notícias do Governo dos EAU diz que Al-Jaber é o responsável pelos projectos de descarbonização da petrolífera. Mas isto não acalma ambientalistas, que entendem ser muito preocupante o facto de um evento climático desta importância e dimensão estar nas mãos de alguém com um “conflito de interesses” relevante.
Logo após a sua nomeação, o The Guardian ouviu Tasneem Essop. A directora executiva da Climate Action Network International, uma rede de mais de 1900 organizações ambientalistas, chegou a argumentar que Al-Jaber teria de escolher: ou o cargo na ADNOC ou a presidência da COP28. Al-Jaber “não pode ser o presidente de um processo encarregado de enfrentar a crise climática” e, ao mesmo tempo, representar “uma indústria que é responsável pela própria crise”, criticou então.
Os EAU defenderam a sua escolha, dizendo que Ahmed Al-Jaber “tem uma longa carreira enquanto diplomata, ministro e líder empresarial no sector da energia e das renováveis”. “Para proporcionar uma transição energética justa, é preciso compreender os sistemas energéticos de forma profunda”, referiram ao The Guardian porta-vozes da COP28, que então asseguraram que Al-Jaber manteria ambas as posições.
“Nós somos uma organização sem fins lucrativos de jornalismo investigativo, pelo que vamos deixar que os comentários sobre as implicações de tudo isto sejam feitos por outras pessoas. Mas há activistas climáticos e alguns políticos certamente preocupados com a capacidade que a indústria do petróleo poderá ter para conseguir influenciar as negociações na COP28”, diz Ben Stockton ao PÚBLICO.
Quando falou com o PÚBLICO em Janeiro, Pedro Nunes, especialista em política pública na associação ambientalista Zero, disse que Al-Jaber nunca deveria ter sido nomeado presidente da COP28. “Os argumentos para se justificar a realização de uma COP num país como os EAU ainda podem ser mais ou menos entendíveis (pode-se sugerir que as Nações Unidas estão a tentar fazer a ponte com o grande produtor de petróleo — o Médio Oriente — e usar essa via para conduzir a uma descarbonização dessa indústria). Mas aqui não há qualquer argumento plausível capaz de justificar esta nomeação”, afirmou.
Como a guerra na Ucrânia fez disparar os preços do petróleo, 2022 foi bom para as petrolíferas. Em conjunto, as maiores petrolíferas ocidentais arrecadaram no ano passado lucros próximos de 150 mil milhões de euros — sendo que empresas como a britânica BP chegaram mesmo a registar os lucros mais elevados da sua história.
Esta multinacional anunciou esta semana que vai retroceder em termos de ambição climática. A empresa prevê chegar a 2030 com uma produção de cerca de dois milhões de barris de petróleo por dia. Se conseguir cumprir, teremos daqui a sete anos uma BP a produzir 25% menos do que produzia em 2019. Antes da apresentação do seu balanço financeiro de 2022, a BP tencionava produzir 40% menos, não 25%. A necessidade de “responder à procura por um fornecimento seguro de petróleo e gás” justifica o retrocesso em termos de metas climáticas, diz a petrolífera.