Depois de dois anos de teletrabalho, muitas pessoas passaram o último ano já de volta aos locais de trabalho, o que representa mais tempo longe dos animais de estimação e o regresso aos períodos de nove ou dez horas sem lhes pôr comida na taça.
Há alguns meses que lá em casa andávamos a ponderar comprar um alimentador, aparelho que dispensa porções de ração periodicamente. Durante a pandemia, o meu gato, Obi-Wan, que nunca aprendeu a comer com calma, passou a ter cinco (às vezes seis) refeições por dia; com o meu regresso à redacção, come só de manhã e à noite — aliás, chateia-nos ao longo da noite para ir comendo. Não que lhe faça mal conter-se um pouco, com os seus sete quilos, mas este jejum intermitente forçado também não parecia o mais adequado.
A parte boa de ser jornalista é que, por vezes, podemos experimentar coisas novas. Foi assim que acabei com um Xiaomi Smart Pet Food Feeder em casa. O dispensador de comida (que custa cerca de 130 euros) adapta-se a gatos e cães de pequeno e médio porte e pode ser emparelhado com o smartphone através de uma app chamada Mi Home. Instalei-a, a sincronização teve alguns soluços, mas depois de seguir as instruções três vezes acabei por finalmente chegar à parte divertida.
Primeiro, o “jogo” de encontrar a dose certa. Se antes enchia todos os dias o mesmo copo com a dose que costuma ser boa para o Obi, agora tinha uma máquina com um depósito suficiente para vários dias que eu precisava de controlar. Valendo-me da informação na embalagem da ração, decidi que a dose razoável para o meu gato gordo a precisar de uma dieta seria, no máximo, 100 gramas por dia.
Continuando a explorar o aparelho, comecei por dispensar as doses de comida clicando num botão na tampa do recipiente. Mas através do smartphone também é possível controlar o pet feeder através de duas opções: dispensar ração ao clique de um botão na app (já lá irei) ou agendar doses para serem dispensadas a horas certas.
Com esta última opção, finalmente o Obi voltou a ter comida no intervalo entre o final da manhã e o final da tarde, sem pausas enormes a causarem ansiedade. Ainda continuou a esperar-nos junto à porta de casa, o que me deixou mais tranquila sobre se ele ainda me amaria quando deixasse de ser a sua principal alimentadora. Também aproveitámos para agendar a primeira dispensa para por volta das 6h, o que trouxe algumas manhãs mais tranquilas sem as habituais fitas para comer.
Quanto à manutenção, a app vai avisando quando já só há comida para poucos dias. A taça de metal e o recipiente de plástico podem ser facilmente desmontados e retirados para a limpeza. A parte mais manhosa da lavagem é chegar bem a todos os cantos do dispensador, mas nada que um pouco de prática não ajude a automatizar.
Além da grande vantagem de programar refeições para ao longo do dia, também há um bónus para pessoas preguiçosas: não é preciso sair do sofá naquela altura em que até lhe queremos dar uma dosezinha extra — sim, continua a ser preciso dar pequenos extras, em particular à noite. Há sempre aqueles momentos em que estamos atentos a um filme ou numa conversa pelo Zoom em que, sentindo-se ignorado, o gato começa a chamar a atenção. Foi preciso reequilibrar as doses ao longo dos dias, ponderando o peso das treats, para não ultrapassar os limites da dieta.
Aliás, qualquer pessoa com gatos em casa sabe bem o esforço que é preciso para não reforçar esses comportamentos. O alimentador não resolve, mas ajudou em certa medida ao desligar os tutores da figura que tem de ser chateada para conseguir comida.
Contudo, transferir a alimentação para uma máquina desperta algumas questões filosóficas: sou uma tutora negligente por estar a delegar num aparelho algo tão intrínseco à relação entre humanos e animais de estimação como a alimentação? Para os nossos animais, somos também objecto de afecto ou apenas o ser que os alimenta? Descobri que são, na realidade, questões um pouco desligadas da prática do dia-a-dia: garantindo que é alimentado a horas, o bem-estar do Obi aumentou consideravelmente. Os momentos juntos ficam mais leves, libertos da culpa (minha) e da ansiedade com a comida (dele).
No final da experiência, o gato afeiçoou-se não apenas à comida dispensada a horas, mas também à caixa do Xiaomi Smart Pet Food Feeder — que me esqueci de guardar num lugar seguro e que acabou, sem surpresas, transformada em arranhador.
A sofreguidão a comer, essa, também reapareceu logo que voltou à antiga taça. Quando desmontei o alimentador para lavar as peças e devolver o aparelho, deixei-lhe um pouco de comida. Minutos depois, quando saía de casa para o jornal, já só sobravam migalhas na taça.