Netflix anuncia fim da partilha de contas em Portugal a partir de hoje
Portugal é um dos primeiros países onde se aplica tentativa de combate ao uso de uma conta em casas diferentes. Assinaturas standard e premium aumentam 3,99 euros se tiverem “membro adicional”.
Já há data para a entrada em vigor da medida que vai impedir os utilizadores da Netflix em Portugal de partilharem conta com pessoas que não vivam na mesma casa: 8 de Fevereiro de 2023, esta quarta-feira.
O facto de Portugal ser, a par de Espanha, Nova Zelândia e Canadá, um dos primeiros países abrangidos por esta política fora da “zona de testes” que a plataforma criou na América Latina em 2022 — Chile, Costa Rica, Peru, Argentina, El Salvador ou Honduras —, é uma surpresa. A empresa não explica porque escolheu estes quatro novos países em diferentes zonas do mundo para começar a segunda fase do anunciado combate à partilha abusiva de contas, depois de ter já começado este "crackdown" de forma mais concreta no Peru, Chile e Costa Rica há semanas. A Netflix tem 230 milhões de assinantes em 190 países ou territórios.
"Durante o último ano, explorámos diferentes abordagens à resolução deste problema na América Latina e chegou agora o momento de alargar a implementação desta funcionalidade, já a partir de hoje, a outros países como o Canadá, a Nova Zelândia, Portugal e Espanha. O nosso foco foi dar aos nossos membros o controlo sobre quem tem acesso à sua conta", anunciou a Netflix em comunicado. Não é ainda claro de que forma a mudança será sentida no imediato, sendo que cada utilizador tem um preçário mensal que vigora durante um mês e com datas de início e cobrança individuais.
A partir desta quarta-feira, diz a empresa, os utilizadores que paguem pela Netflix terão de "configurar a localização principal para garantir que todas as pessoas que vivem na mesma residência podem usar a sua conta". Esta será a forma de o gigante do streaming controlar e impedir o uso abusivo de contas, que neste momento permitem que uma só subscrição contenha até um máximo de quatro perfis acessíveis de locais fora do domicílio do titular da assinatura.
Ao entrar na conta Netflix, um utilizador português tem já disponível a opção “transferir perfil” e no centro de ajuda constam as informações sobre o novo preçário: assinatura básica continua a 7,99 euros por mês, mas aquelas que são afectadas, a standard de 11,99 euros ou a premium de 15,99 euros, já indicam que a junção de um membro adicional implica o pagamento de mais 3,99 euros mensais. No caso da assinatura standard pode-se adicionar uma pessoa que não viva com o titular da conta; na premium, são duas pessoas extra.
“Os membros extra têm a sua própria conta e palavra passe, mas a sua assinatura é paga pela pessoa que os convidou a partilhar a sua conta Netflix”, lê-se nas notas do centro de ajuda da Netflix.
Numa experiência feita pelo PÚBLICO à hora de actualização desta notícia, não se verifica ainda qualquer bloqueio ao uso de contas fora do domicílio principal da conta numa modalidade standard, por exemplo. As modalidades afectadas por esta mudança, que a Netflix descreve como "funcionalidade", incluem a possibilidade de utilização de diferentes dispositivos.
As "contas secundárias", explica a empresa na nota que anuncia as novidades, terão "o seu próprio perfil, recomendações personalizadas, dados de início de sessão e palavra-passe". Nesta fase de transição, a plataforma sublinha que quem usa contas alheias pode transferir um perfil para uma nova conta paga, mantendo as "respectivas recomendações personalizadas, o histórico de visualização, as listas e os jogos guardados".
A gigante do streaming diz que a partilha de contas fora do domicílio onde está registado o assinante original vai deixar de estar disponível de forma gratuita porque "impacta a capacidade de investir em séries e filmes de grande qualidade". Sublinha que "uma conta Netflix destina-se a ser usada numa só residência".
"Sempre tentámos facilitar a partilha da conta entre pessoas que vivem na mesma casa, por isso oferecemos funcionalidades como perfis diferentes e a possibilidade de ver a Netflix em vários ecrãs em simultâneo. Apesar do sucesso das mesmas, estas funcionalidades geraram alguma confusão sobre quando e como a Netflix pode ser partilhada. Hoje, mais de 100 milhões de residências partilham contas, o impacta a capacidade de investir em séries e filmes de grande qualidade", refere a plataforma.
O que se pode esperar
Os primeiros avisos quanto a esta medida já datam de Maio. Foi quando a empresa avisou que estava a acelerar o seu plano de recuperação de receitas e assinantes, depois de em Abril ter registado uma quebra no número de subscritores pela primeira vez numa década — a perda de valor da empresa nas bolsas foi dramática (37 mil milhões de euros em Abril). Entretanto, a empresa recuperou com novas adesões ao longo do ano, mas anunciou o que era antes um anátema — a introdução de publicidade — e a intenção de combater a partilha de contas para com isso ganhar dinheiro (em novos assinantes de base ou em pagamentos extra por cada "conta secundária").
A novidade chegou agora, mas não sem alguns percalços. Que, perante as dúvidas que agora possam surgir aos utilizadores portugueses, podem ser elucidativos. Na semana passada a Netflix deu a conhecer acidentalmente nos EUA regras para a partilha de contas nas páginas de ajuda da plataforma que diziam apenas respeito aos países que antecederam Portugal, Canadá, Nova Zelândia e Espanha na lista oficial: Peru, Costa Rica e Chile. Retirou depois a informação, mas que ficou registada no noticiário que originou e que poderia ser uma antevisão de como é que se vai aplicar na prática este combate noutros mercados.
Uma das regras indicava que para garantir que uma conta Netflix não estava a ser usada ilicitamente fora da casa em que está registada, os utilizadores titulares teriam de ligar o seu dispositivo principal de visionamento ao Wi-Fi do seu domicílio, aceder à aplicação da plataforma e ver algum conteúdo pelo menos uma vez por mês (31 dias). Outra informação aplicável a esses três países é que a empresa pode bloquear o acesso de um dispositivo “se uma conta for acedida de forma persistente a partir de outra localização”, sendo necessário um código pedido à Netflix para normalizar o acesso.
Esta informação temporariamente pública mostrava também que a empresa utilizaria informação como moradas IP, registos dos dispositivos e a actividade geral de uma dada conta como base para o controlo. Era informação “só aplicável” aos três países, esclareceu na semana passada a Netflix, citada pelo diário britânico The Guardian.
Uma mudança anunciada
No Peru, Costa Rica e Chile, cada novo assinante fora da casa onde está registada a conta já paga mais dois ou três dólares. Em Portugal, o valor é mais elevado, de 3,99 euros. É de esperar que mais países e mercados sejam abrangidos pela medida em breve.
Ainda por introduzir em Portugal está a modalidade de assinatura básica com anúncios, que está para já disponível em apenas 12 países e que permite cinco perfis mas apenas um visionamento simultâneo e sem referência a número possível de dispositivos para transferências.
Em Janeiro deste ano, numa carta aos seus accionistas, a empresa avisava que “no final do primeiro trimestre” lançaria “o pagamento de partilha de contas mais amplamente”. Em causa, globalmente, estão mais de 100 milhões de lares, o que pode representar um crescimento significativo da plataforma que já é líder mas que nos últimos anos luta contra a concorrência de outros serviços.
Numa conversa com os investidores, na mesma altura, o co-CEO da plataforma, Greg Peters, dizia que em parte a motivação para tudo isto é económica. “Mas parte é o que chamamos partilha casual, que as pessoas poderiam pagar mas não precisam quando ‘pedem emprestada’ a conta de outrem. A nossa função é dar-lhes um empurrãozinho e criar modalidades que tornem a transição para as suas próprias contas fácil e simples.” A empresa contava com algumas desistências no primeiro trimestre deste ano após este controlo, mas depois com recuperação.
"Da nossa experiência na América Latina, esperamos alguma reacção [sob a forma] de cancelamentos em cada mercado quando começarmos a partilha paga, o que tem um impacto no crescimento de assinaturas de curto prazo", reconhecia a Netflix na carta aos investidores de Janeiro em que fazia previsões para 2023. "Mas à medida que os lares que pedem contas emprestadas comecem a activar as suas próprias contas individuais e que as contas secundárias forem adicionadas, esperamos ver melhorias gerais nas receitas, o que é o nosso plano com todas as mudanças de planos de subscrição e preçário."