União Europeia quer proibir substâncias químicas persistentes

Proposta para proibir já em 2026 os chamados “produtos químicos eternos” que estão associados à contaminação ambiental e a riscos para a saúde humana está a ser avaliada.

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Frigideiras e outros utensílios de cozinha antiaderentes podem conter PFAS, substâncias persistentes potencialmente nocivas para a saúde humana Daria Obymaha/DR

A União Europeia (UE) começou a considerar, nesta terça-feira, uma proposta para proibir substâncias perfluoroalquiladas​ —​ conhecidas como PFAS — a partir de 2026 ou no ano seguinte. Se a ideia avançar, esta poderá ser a mais extensa regulamentação comunitária para a indústria química.

Usadas em inúmeros produtos das embalagens alimentares aos utensílios de cozinha antiaderentes, passando por têxteis, tintas e produtos médicos , as PFAS são informalmente referidas como “produtos químicos eternos”, uma vez que não se degradam com facilidade e, dessa forma, persistem na natureza e acumulam-se nos organismos vivos.

“Podemos encontrar PFAS em pinguins na Antárctida, em ursos polares no Árctico e até mesmo na água da chuva no Tibete”, afirmou Audun Heggelund, responsável da agência norueguesa para o ambiente, numa conferência de imprensa realizada terça-feira em Bruxelas, citada pela agência Reuters.

Estas substâncias persistentes estão associadas não só a riscos ambientais (poluição das águas e dos solos), mas também de saúde humana. A exposição às PFAS, seja por inalação ou por ingestão, tem sido associada a vários problemas de saúde, incluindo o cancro, o colesterol alto e a diminuição da eficácia de vacinas em crianças.

Num comunicado conjunto, citado pela Reuters, a Alemanha, a Dinamarca, a Holanda, a Noruega (país que não faz parte da UE) e a Suécia afirmam que “a proibição reduziria as quantidades de PFAS no ambiente a longo prazo”, tornando “os produtos e processos mais seguros para os seres humanos”.

Os cinco países estão a trabalhar na elaboração da proposta. A redacção actual do texto sugere que as empresas tenham, após a entrada em vigor da proibição, uma janela temporal razoável para se adaptarem às futuras regras.

Alternativas às PFAS

Um intervalo entre 18 meses e 12 anos está a ser considerado, segundo a Reuters, para que os fabricantes encontrem alternativas às mais de dez mil substâncias visadas. Entre as empresas afectadas por estas prováveis mudanças, estão nomes conhecidos como BASF, 3M, Bayer, Solvay, Merck KGaA e Synthomer. Como reacção, formaram um grupo de pressão sobre a associação europeia de fabricantes de produtos químicos, a CEFIC.

“O problema é que agora outras PFAS estão a ser usadas como substitutas e estas ainda não estão bem estudadas, embora também tenham aquelas ligações fortíssimas carbono-flúor. Na Europa, já está a ser preparada uma restrição de todas as PFAS, à luz do REACH, o regulamento europeu sobre substâncias químicas.

Muitos especialistas apoiam a aplicação do princípio da precaução para restringir o uso de PFAS como uma classe, particularmente em usos não essenciais, como é o caso de produtos têxteis infantis”, explicava ao PÚBLICO Susana Fonseca, vice-presidente da associação ambientalista Zero, em Maio do ano passado, quando a proibição ainda estava a ser debatida.

No documento citado pela Reuters, os cinco países admitiam que, “em muitos casos”, muitas das alternativas desejáveis ainda não existem — e que, em alguns casos, “possivelmente nunca existirão”. Agora, as empresas visadas vão ter de arregaçar as mangas e tentar encontrar substitutos que não levantem os mesmos problemas que as PFAS.

As PFAS são comummente utilizadas para tornar têxteis resistentes às manchas ou hidrófugos (capazes de repelir líquidos). Acredita-se ser possível recorrer a ceras para produzir o mesmo efeito. Contudo, o documento referido pela Reuters indica que há certas aplicações que serão de difícil substituição — como em dispositivos médicos, por exemplo.

Certos desinfectantes, assim como produtos e fitossanitários estariam isentos ou poderiam gozar de um prazo mais alargado, uma vez que se enquadram em restrições já em vigor, revela ainda o documento.

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As PFAS são utilizadas numa longa lista de produtos, incluindo espumas de combate a incêndios, tintas, embalagens alimentares Pixabay/DR

A provável interdição às PFAS não significa, contudo, que os ecossistemas europeus estarão livres dessas substâncias químicas eternas”. Os produtos que utilizamos hoje constituem os resíduos de amanhã, que vão continuar a libertar moléculas. As PFAS que já contaminaram solos e aquíferos, sendo persistentes, permanecerão nesses ecossistemas por muito tempo. As lagoas são um exemplo da contaminação por PFAS: um estudo recente mostrou que comer um peixe de água doce pode equivaler a um mês de ingestão de água com produtos químicos persistentes.

Dois grupos de trabalho da Agência Europeia de Produtos Químicos (ECHA, na sigla em inglês) devem agora estudar se a proposta para banir as PFAS está em conformidade com a REACH, a regulação europeia para produtos químicos. O passo seguinte será uma avaliação científica e uma consulta ao sector da indústria. A ECHA afirma, segundo a Reuters, que os grupos de trabalho poderão precisar de mais de um ano para concluir a avaliação.

Estima-se que entre 140 e 310 mil toneladas de PFAS tenham sido vendidas para os mercados europeus em 2020, refere a proposta elaborada pelos cinco países. A exposição aos produtos químicos “eternos” poderá significar um custo anual com cuidados de saúde entre 52 e 84 mil milhões de euros, calcula o documento.

Restrições das PFAS no Estados Unidos

O uso alargado das PFAS também pode estar com os dias contados nos Estados Unidos. Em Agosto de 2022, o Governo dos Estados Unidos afirmou que proporia a designação de determinados PFAS como substâncias perigosas.

O reconhecimento gradual destas substâncias persistentes como potencialmente nocivas já levou, por exemplo, a que uma gigante da indústria química como a 3M anunciasse, em Dezembro de 2022, que deixaria de fabricar tais substâncias em 2025.

Um relatório da organização norte-americana Safer States, divulgado na segunda-feira, antevê que as PFAS devem dominar a agenda política em matéria de ambiente nos Estados Unidos. Segundo o documento, pelo menos 28 estados aventam a possibilidade de adoptar regulamentações mais rígidas para limitar tais substâncias, ou obrigar à referência explícita ao emprego das mesmas em embalagens de alimentos, utensílios de cozinha e roupas.

“As legislaturas estaduais estão a assumir a liderança para enfrentar os desafios e as ameaças de produtos químicos tóxicos como PFAS, assim como materiais problemáticos como o plástico”, afirma Sarah Doll, directora nacional da Safer States, numa nota de imprensa.

“As políticas que os estados norte-americanos vão considerar e promulgar para enfrentar esses desafios em 2023 terão um efeito cascata não apenas em todo o país, mas em todo o mundo”, antevê a responsável da Safer States, uma aliança que agrega diversas associações ligadas à saúde ambiental.