Lagos glaciares ameaçam 15 milhões de pessoas em todo o mundo
O colapso destes lagos pode provocar inundações instantâneas capazes de matar milhares de pessoas. Alterações climáticas tendem a piorar os riscos.
Em menos de 15 minutos, o lago de montanha Chorabari, no Norte da Índia, esvaziou-se. O desastre aconteceu a 17 de Junho de 2013. Chuvas fortes naquela região dos Himalaias e mais uma avalanche pressionaram a barreira natural que permitia a acumulação de água proveniente de um glaciar. A barreira do lago não aguentou a pressão, cedeu e uma enorme torrente de água saiu disparada, inundou as margens do rio Mandakini, destruiu aldeias inteiras e, reforçada pelo excesso de chuva, matou mais de 6000 pessoas.
O que aconteceu no Norte da Índia é provavelmente o exemplo mais recente de uma inundação catastrófica causada pelo colapso de um lago glacial, que se forma devido ao derretimento dos glaciares. Um novo estudo analisou este tipo de lagos em todo o mundo e as populações humanas que habitam a jusante e chegou à conclusão de que há 15 milhões de pessoas em risco devido à possibilidade de um acontecimento semelhante ao do lago Chorabari.
O artigo foi publicado nesta terça-feira na revista Nature Communications.
“Este trabalho proporciona apenas uma fotografia do perigo que existia em 2020”, explica ao PÚBLICO Tom Robinson, um dos autores do trabalho, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia. Os dados usados para fazer este trabalho foram de 2020. Por isso, “à medida que o número de lagos glaciares continuar a crescer, e à medida que as populações existentes a jusante [dos lagos] continuarem a mudar, o perigo também irá mudar resultante disso.”
Existem lagos glaciares não só associados às grandes cordilheiras do mundo, como os Himalaias, os Alpes e os Andes, mas também em outros locais como a Gronelândia, o Noroeste da Escandinávia, a costa Oeste do Canadá e do Alasca, e na Nova Zelândia. Mas esta realidade tem vindo a aumentar.
“Desde 1990, o número, a área e o volume dos lagos glaciares cresceu rapidamente, aumentando respectivamente em 53%, 51% e 48%”, lê-se no artigo. Além disso, muitas regiões a jusante viveram “um grande aumento na população, em infra-estruturas e em hidroeléctricas, enquanto a agricultura se intensificou”.
Isto não quer dizer que, à partida, haja mais pessoas em risco. A Gronelândia tem parte destes grandes lagos, mas devido à baixa densidade demográfica, o número de residentes em risco é praticamente nulo.
Raio-X mundial
Apesar de os desastres associados a estes lagos serem acontecimentos “raros”, segundo o investigador, há motivos para preocupação. As barreiras dos lagos glaciares são frequentemente formadas pelo próprio gelo, que é instável. Outras são feitas de rochas e podem não aguentar a pressão do volume que elas albergam, como ocorreu com o lago Chorabari, no Norte da Índia. Ou podem ser afectadas por um sismo.
“Estes lagos encontram-se frequentemente em regiões montanhosas, com declives acentuados, o que significa que deslizamentos de terra ou avalanches de gelo podem por vezes cair directamente nos lagos e empurrarem a água, que passa por cima da barreira natural e causa inundações a jusante”, descreve Tom Robinson.
Nesse sentido, este é o primeiro estudo que faz um raio-X à situação global dos lagos glaciares e das populações que podem ser afectadas pelo seu colapso, adianta o investigador. “Antes disto, os estudos tinham apenas olhado para o impacto potencial do colapso de lagos glaciares a escalas locais e regionais”, diz-nos Tom Robinson. “A nossa investigação sugere que mais de metade de toda a população exposta a potenciais colapsos reside em apenas quatro países: Índia, Paquistão, Peru e na China.”
A equipa considerou populações em risco directo ou que podem sofrer o impacto secundário por causa de uma inundação as que vivem até 50 quilómetros de distância a jusante de um lago glaciar e as que estão até a um quilómetro de distância de um rio que tem origem num daqueles lagos. Além disso, avaliaram a vulnerabilidade daquelas populações tendo em conta o índice de desenvolvimento e o de corrupção dos vários países. Foi assim que chegaram à estimativa de 15 milhões de pessoas.
“Globalmente, a proporção de população exposta varia significativamente entre países, a Índia e o Paquistão contêm o maior número de pessoas expostas (com cerca de três e dois milhões de pessoas, respectivamente), enquanto a Islândia é o país com menos pessoas expostas (260 pessoas)”, lê-se no artigo. Ao todo, um milhão de pessoas vivem a menos de 10 quilómetros de distância de um lago glaciar, estando mais vulneráveis a um acidente.
Deter o aquecimento global
Apesar da região montanhosa da Ásia, onde se inserem os Himalaias, ter o maior potencial de ocorrer novos fenómenos como o de 17 de Junho de 2013, os cientistas estão especialmente preocupados com países como o Peru e a Bolívia. Há “populações específicas no Peru e na Bolívia com um potencial semelhante [ao da Ásia] para sofrerem impactos do colapso de lagos glaciares, mas com muito menos estudos publicados”, explica o cientista. Ou seja, conhece-se menos o risco a que aquelas populações podem estar sujeitas.
Além disso, as alterações climáticas vão gerar potencialmente mais situações perigosas. “À medida que o clima continua a aquecer, o retrocesso dos glaciares vai formar lagos mais numerosos e maiores”, avisa o investigador.
O que é que os países devem fazer para se proteger destes colapsos? “Limitar as alterações climáticas e manter o aquecimento do planeta abaixo dos 1,5 graus Celsius é um grande passo que vai ajudar a desacelerar o aumento de lagos glaciares”, responde Tom Robinson. “Mas paras as pessoas e para os lugares que já estão sob perigo precisamos de encontrar medidas efectivas trabalhando com governos nacionais e regionais, e também com as próprias comunidades.”