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Agricultores “em estado de choque” com a duplicação do preço da água em Alqueva

Concessão da central hidroeléctrica à EDP em 2007 e atraso na instalação do Parque Fotovoltaico de Alqueva traduzem-se em mais encargos para os agricultores.

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Agricultores queixam-se do aumento do custo da água Nuno Ferreira Santos

A Federação Nacional de Rega (Fenareg), através de nota divulgada esta semana, considera “uma proposta indecente” a intenção da Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva (EDIA) de poder vir a duplicar o preço da água para rega.

No tarifário em vigor, os regantes precários, não incluídos nas áreas beneficiadas, mas que recebam água com pressão, pagam 7,7 cêntimos por metro cúbico, enquanto na baixa pressão, e igualmente para os precários, o preço é de 3,8 cêntimos por metro cúbico consumido. Para os regantes de Alqueva, concretamente os que estão nas áreas sob gestão da EDIA, o preço da água em alta pressão é de 5,9 cêntimos por metro cúbico, e de 3,2 cêntimos por metro cúbico para a baixa pressão. Agora estes preços podem passar para o dobro.

A proposta de revisão de preços que a EDIA já tinha solicitado ao Ministério da Agricultura deixou os agricultores “em estado de choque”, salientou a Fenareg. A proposta foi apresentada pela empresa gestora do empreendimento hidroagrícola na reunião do Conselho para o Acompanhamento do Regadio de Alqueva, no passado dia 1 de Fevereiro.

A confirmar-se o conteúdo da proposta de revisão de preços, os agricultores terão de suportar a duplicação das tarifas de água para rega, “situação a todos os títulos inaceitável”, sublinha o comunicado da Fenareg, que acrescenta: a proposta da EDIA põe em causa a utilização da água para a “grande maioria das culturas agrícolas, com consequências gravíssimas para o sector agrícola, a economia nacional e a coesão territorial”.

José Núncio, presidente da Fenareg, diz “compreender o défice nas contas da EDIA”, que associa ao “sucesso” do empreendimento. O responsável recorda as consequências para a gestão do empreendimento quando, em 2007, o Governo de então atribuiu a concessão da central hidroeléctrica de Alqueva à EDP. Mas, se “em determinado período da nossa história, o Estado, para equilibrar as suas contas, entendeu vender os direitos de produção da central à EDP”, é chegada a altura de “inverter esta situação, revendo as condições da concessão, revertendo a exploração para a EDIA ou assumindo o défice desta empresa pública”.

As receitas da componente hidroeléctrica, no essencial, resultam do contrato de exploração das centrais hidroeléctricas de Alqueva e Pedrógão e da subconcessão do domínio público hídrico entre a EDIA e a EDP por um período de 35 anos, mais cinco do que o inicialmente previsto. O pagamento das receitas associadas a este contrato envolve um montante anual no período de vigência do contrato de 12,380 milhões de euros, além do montante pago inicialmente de 195 milhões de euros do valor global do negócio da exploração das duas centrais hidroeléctricas, fixado em 638 milhões de euros (sem IVA).

Destes montantes, a EDIA não pode contar com a verba de 195 milhões de euros que “o accionista Estado fez de imediato sua, a título de renda, contrariando uma das premissas de base a que estava associada a sustentabilidade da exploração do empreendimento”, diz a Fenareg. Assim, para fazer face aos compromissos anuais, a EDIA apenas conta com 12,380 milhões de euros, “não existindo possibilidades de maximizar estas receitas”, destaca o Plano de Actividades e Orçamento (PAO) da empresa.

No entanto, sabia-se antecipadamente que o projecto Alqueva só era viável se fosse garantido o suporte energético, pois o ponto crítico do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA) residia no transporte da água até onde esta fosse necessária. E, por essa razão, o projecto “contemplou a construção de uma central hidroeléctrica, financiada pelos fundos agrícolas, para compensar esses mesmos custos”, observa a Fenareg, admitindo que a “viabilidade” dos perímetros de rega confinantes, que estão ligados a Alqueva, também ficará “em risco” com a duplicação do custo da água.

Dependência energética

Com efeito, para distribuir os caudais pelas 69 barragens, reservatórios e açudes do sistema de rega do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA), a EDIA necessita de energia para o funcionamento de 47 estações elevatórias que encaminham a água para abastecer 22 blocos de rega através de 382 quilómetros de rede primária e 1620 quilómetros de condutas na rede secundária. A estes vão juntar-se os novos blocos que integram a segunda fase do Programa Nacional (PN) de Regadios — sete em Beja, cinco em Évora e um em Santiago do Cacém — e que deveriam estar a operar em 2023.

Acontece que a dimensão do empreendimento de rega e os custos energéticos despendidos no funcionamento das redes de rega mantêm a gestão da EDIA em permanente incógnita: o de saber onde a empresa vai buscar dinheiro para pagar a electricidade de que o sistema necessita para funcionar e que não tem parado de aumentar. No primeiro semestre de 2022, foram consumidos 102.789 MWh, quando em igual período de 2021 este consumo se situou nos 54.992 MWh.

As fortes oscilações nos preços da electricidade acabaram por “influenciar de forma significativa” os resultados da empresa em 2022, devido, sobretudo, à “dependência” que mantém em relação ao sector eléctrico, como está descrito no Plano de Actividades e Orçamento (PAO) para 2023.

José Pedro Salema, presidente do conselho de administração da EDIA, adiantou ao PÚBLICO no passado mês de Novembro que os encargos previstos com o consumo de energia em 2022 podem chegar aos 38 milhões de euros, “um valor bastante superior ao registado no período homólogo”, praticamente o dobro. Só a energia consumida pela central de captação dos Álamos custa 2,2 milhões de euros por mês.

As fortes oscilações nos preços da electricidade acabaram por “influenciar de forma significativa” os resultados da empresa em 2022, devido, sobretudo, à “dependência” que mantém em relação ao sector eléctrico, como está descrito no PAO para 2023.

Preocupada com o evoluir da situação, a administração da EDIA já tinha comunicado, no início de Setembro, ao secretário de Estado da Agricultura que “é urgente obter-se uma definição sobre a estratégia de financiamento do défice que resulta dos aumentos dos preços de energia”, propondo “o aumento do tarifário de água”.

Outra das alternativas já anunciadas é a instalação do Parque Fotovoltaico de Alqueva (PFA), que deveria ter uma execução “muito significativa de investimentos neste projecto em 2023”. Mas até ao momento não há indicação do Governo de que tal possa vir a acontecer, quando este deveria ter sido iniciado até ao final de 2022.

Futuro está na energia solar

O presidente da EDIA considera que o recurso à energia fotovoltaica “é o mais importante vector de desenvolvimento com vista à sustentabilidade no longo prazo do projecto Alqueva e uma das prioridades da empresa nos últimos anos”. O PFA engloba uma dezena de equipamentos baseados na energia solar e um custo calculado em 50 milhões de euros, mas Pedro Salema não compreende que continue a ser protelado um projecto desta importância que permitirá reduzir a dependência energética e os seus custos.

Pressionada pelos encargos, a empresa divulgou no dia 26 de Dezembro de 2022 um comunicado onde anuncia que “foi contratualizado um empréstimo de médio e longo prazo entre a EDIA e o Estado Português no montante de 13.822.146,00 euros, destinado a satisfazer as necessidades de financiamento da empresa, nomeadamente para fazer face aos pagamentos de gastos com energia”. A EDIA é o maior cliente público de electricidade e um dos maiores consumidores a nível nacional.

Além da questão dos preços, a Fenareg critica ainda a aplicação de um plano de contingência sobre os níveis de utilização de água, decidido igualmente na reunião do Conselho para o Acompanhamento do Regadio de Alqueva. A federação considera que “devem ser eliminados os primeiros três níveis de contingência propostos”. E explica porquê: “Quando não existe uma real limitação do recurso, também não existem razões objectivas para limitar o acesso à água.” José Núncio, presidente desta organização, explicou ao PÚBLICO que a EDIA propõe gerir o acesso à água para rega em função da cota de armazenamento na albufeira do Alqueva. O 1.º nível será aplicado quando o armazenamento da albufeira se situar nos 70% da sua capacidade máxima, o 2.º nível quando a cota estiver entre os 60 e 70%, e o 3.º nível entre os 50 e os 60%.

A albufeira do Alqueva está prestes a atingir o seu pleno enchimento. A 6 de Fevereiro, o nível de armazenamento chegava aos 89%.

A Fenareg lamenta ainda que as organizações do sector, incluindo as associações de agricultores, não tenham sido “previamente consultadas” sobre os valores propostos para as utilizações de água das culturas.