Os homens não reparam tanto na sujidade – mudá-lo pode equilibrar o trabalho doméstico
Onde ele vê pratos na pia e um caixote da reciclagem cheio, ela verá pratos por lavar e um caixote por despejar. Estudo conclui que homens e mulheres são treinados para terem diferentes percepções.
Imagina um casal de profissionais, Jack e Jill, que estão empenhados em ter uma relação em que as responsabilidades domésticas são partilhadas. Agora, imagina que vêem a sua casa de forma diferente.
Quando Jill entra na cozinha desarrumada, vê os pratos por lavar e o caixote de reciclagem que tem de ser despejado. Jack também vê que há pratos na pia e que o caixote da reciclagem está cheio. Mas estas percepções não o “puxam” – não vê a desordem como tarefas que devem ser feitas.
Os resultados do nosso estudo sugerem que os homens e as mulheres são treinados pela sociedade para verem diferentes possibilidades de acção quando olham para a confusão nas suas casas. Acreditamos que esta percepção poderia ajudar os casais heterossexuais a partilhar as tarefas de uma forma mais equilibrada, mas é importante compreender as causas profundas desta questão.
De acordo com um conceito em psicologia chamado teoria da percepção ecológica (teoria das affordances), quando olhamos para objectos e situações vemos possibilidades de acção. Quando olhamos para uma maçã, não a vemos apenas como vermelha e brilhante, mas sim como comestível.
Vemos o que pode ser feito com a maçã. Jack e Jill olham para as mesmas coisas na cozinha mas vêem diferentes possibilidades de acção: para Jill, os pratos convidam à lavagem, para Jack não.
O casal está sintonizado de forma diferente para as "possibilidades de acção" das tarefas domésticas. Esta teoria pode ajudar a explicar por que razão é que as mulheres suportam uma quantidade desproporcional de trabalho doméstico e parental, mesmo quando trabalham a tempo inteiro. Esta diferença na forma como as pessoas apreendem o ambiente doméstico tem impacto no número e na frequência de tarefas que Jack e Jill fazem, independentemente das suas intenções.
Se Jill for mais sensível às possibilidades de acção das tarefas domésticas, é mais provável que repare que a loiça precisa de ser lavada e esteja mais motivada para o fazer. É provável que Jack nem sequer repare na disparidade da carga de trabalho.
Se não virmos o balcão como "a ser limpo", é menos provável que reparemos quando tiver sido limpo. Este duplo choque de desigualdade e invisibilidade tem um custo mental considerável para as mulheres e deixa uma grande tensão nas relações.
Então, o que se deve fazer?
A primeira coisa a dizer é que ser menos atento a certas acções não é uma desculpa. Quando Jill se queixa a Jack que ele nunca lava a loiça, o facto de ele dizer “não os vejo como ‘a ser lavados’” não o absolve, apesar de ser verdade. Jill pode responder: “É exactamente esse o problema em que tens de trabalhar.” Para haver responsabilidades partilhadas, Jack precisa de mudar a sua percepção.
A boa notícia é que estas percepções podem ser mudadas com a prática e um empenho consciente. Podemos ficar melhores a ver o que precisa de ser feito ao desempenhar a tarefa mais vezes e prestando conscientemente atenção a sinais que nos dizem se a tarefa precisa de ser feita.
Jill não nasceu para estar mais atenta à possibilidade de ter de despejar o caixote da reciclagem. Esses hábitos são, em parte, moldados por normas sociais.
E, quando se trata de trabalho doméstico, estas normas são veiculadas por género. Desde tenra idade, as raparigas fazem mais tarefas domésticas do que os rapazes. As raparigas são encorajadas a brincar com brinquedos como aspiradores e bonecas que encorajam a imitação de actividades de cuidadoras.
A estratégia central passa por mudar a mentalidade de Jack sobre o que significa cumprir a sua quota-parte do trabalho. O que ele precisa de praticar não é fazer a tarefa (ir despejar a reciclagem não é assim tão difícil), mas sim assumir a responsabilidade de, conscientemente, responder à existência de pratos na pia, ao quão cheia está a reciclagem, se há leite no frigorífico.
Pensemos em como aprendemos a conduzir. O que o principiante precisa de aprender não é apenas a mudar de velocidade (bastante simples), mas também a perceber quando é necessário mudá-la. Não pode confiar apenas na ideia de "mudar de velocidade quando o instrutor mandar".
A sociedade também precisa de mudar
Cultivar a sensibilidade às possibilidades de acção no que toca às tarefas domésticas requer oportunidades para o praticar. E isto depende da existência de um certo tipo de políticas. Por exemplo, a licença parental partilhada.
Há provas de que, após a chegada das crianças, as mulheres ficam com a maior parte do trabalho dos cuidados parentais. Ao mesmo tempo, há investigações que sugerem que os pais que tiram licenças parentais mais longas prestam melhores cuidados após o fim da licença.
Porquê? Cuidar dos seus filhos dá aos pais a oportunidade de aperfeiçoar as suas capacidades: como mudar uma fralda, como confortar um bebé agitado. Mas, igualmente crucial, permite que os pais aprendam a ver quando é que essas tarefas precisam de ser feitas. Adapta-os às possibilidades de acção. Isto, por sua vez, leva a uma distribuição mais equilibrada das tarefas a longo prazo.
Apesar dos ganhos culturais, económicos e legais das mulheres nas últimas décadas, as disparidades na quantidade de trabalho doméstico realizado por mulheres e homens têm-se mostrado difíceis de ultrapassar. O nosso estudo mostra que, para corrigir o desequilíbrio, não basta exortar os homens a fazer a sua parte igualitária. Eles precisam de assumir a responsabilidade de ver o que é preciso fazer.
Exclusivo P3/The Conversation
Tom McClelland é professor assistente de História e Filosofia da Ciência na Universidade de Cambridge
Paulina Sliwa é professora de Filosofia na Universidade de Viena