Bárbara Hernández nunca sentiu tantas dificuldades na água como no último domingo (5 de Fevereiro). Foi o que a nadadora chilena — a “Sereia do Gelo”, como também é conhecida — disse ao PÚBLICO depois de ter percorrido uma distância de 2,5 quilómetros (km) nas gélidas águas da Antárctida. Hernández, cujos feitos anteriores já lhe permitiram inscrever o seu nome no livro de recordes do Guinness (e que agora terá acabado de voltar a protagonizar uma acção histórica), fez esta performance para chamar a atenção para a necessidade de os decisores políticos protegerem a Antárctida e as suas águas, que a crise climática ameaça.
Os termómetros submersíveis indicavam que a água estava a uma pouco convidativa temperatura de 2,2 graus Celsius. Foi com este valor em mente que a nadadora, nascida a 31 de Dezembro de 1985 na capital do Chile (Santiago), saltou do bote. O tempo de que precisou para percorrer os tais 2,5 km: 45 minutos e 50 segundos.
Do ponto de vista da exigência física, o exercício foi “incrivelmente difícil”, admitiu. Mas a nadadora também disse que, se a sua mensagem (a mensagem de que “estas águas incríveis” têm urgentemente de ser protegidas) “chegar aos decisores políticos”, então o esforço terá valido a pena.
A Convenção para a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárcticos (CCAMLR) quer, há já alguns anos, criar três novas grandes áreas marinhas protegidas nas águas da Antárctida. Os 37 Estados que a compreendem vão reunir-se em Junho, em Santiago. Claire Christian, directora executiva da Antarctic and Southern Ocean Coalition (ASOC), um conjunto de organizações não-governamentais que querem proteger os ecossistemas vulneráveis da Antárctida, aplaudiu a “coragem” de Bárbara — que tem trabalhado de perto com a ASOC — e disse esperar que o encontro no país de origem da nadadora sirva para essas áreas protegidas finalmente saírem do papel.
Águas gélidas
Ao PÚBLICO, Bárbara confessou que estava nervosa nos momentos que antecederam o salto para a água. “Estava a sentir o peso daquilo que esta oportunidade representava. Mas precisava de tentar”, diz, explicando que, antes de entrar na água, procurou abafar as suas inseguranças — e, também, esquecer as “expectativas” que havia em torno do seu desempenho. “Estava nervosa, mas também feliz e grata pela oportunidade”, afirmou.
A chilena frisa que nadar em águas extremamente frias está longe de ser pêra doce. “Há muitos factores que não conseguimos controlar: as correntes marinhas, a forma como o meu corpo vai reagir àquelas temperaturas gélidas...” A “Sereia do Gelo” tem a alcunha que tem porque já nadou em condições bastante desfavoráveis, mas, por mais que haja sempre uma exigente “preparação física e mental”, uma pessoa “nunca consegue habituar-se a águas gélidas”.
Dito isto, Bárbara refere que foi mais ou menos capaz de manter a cabeça limpa durante os quase 46 minutos em que esteve dentro de água. Pensou, entre outras coisas, na sua paixão pelo ambiente — uma paixão que terá começado aos 17 anos, quando, no seu primeiro contacto com natação de águas abertas, começou a “sentir as ‘águas vivas’”. A chilena entende que essa paixão, que ela partilha com milhões de pessoas, é vital para se falar ambiciosamente em proteger o planeta — um lugar “lindo” que, neste momento, depende de um grande esforço colectivo para continuar assim.
“Estou tão feliz e aliviada”, afirmou, uma vez concluída a operação. Citada num comunicado de imprensa, a “Sereia do Gelo”, que nadou sem fato de mergulho (só mesmo “um fato de banho simples”, realça o comunicado), comentou que nadar na Antárctida era “um sonho que tinha há anos”. Parte do sonho de poder “nadar em partes de cada um dos sete oceanos do mundo”.
Proteger o mar da Antárctida
Esta performance foi porventura o momento-chave de uma expedição a bordo de um navio da Marinha chilena. Bárbara deverá regressar a Punta Arenas, no Chile, de onde partiu no final de Janeiro, a 16 de Fevereiro. Uma equipa de filmagens está a acompanhá-la para fazer um documentário sobre a experiência. Deverá ver a luz do dia em Abril.
Uma das referências de Bárbara Hernández é Lewis Pugh, nadador de 53 anos que também é mundialmente conhecido pelas suas braçadas em condições extremas para chamar a atenção para causas ambientais. O britânico, que tinha dez anos quando se mudou com a família para a África do Sul, também já fez coisas impressionantes no oceano onde a chilena acaba de fazer a sua acção — e fez força para fazer do Mar de Ross, na Antárctida, aquela que hoje é a maior reserva marinha protegida do mundo.
A “Sereia do Gelo” é um dos elementos do Antarctica2020, um grupo de personalidades, de vários campos diferentes — ciência, desporto e política, para citar apenas alguns —, que estão a tentar fazer uso da sua influência para garantir que são tomadas medidas ambiciosas para proteger o mar da Antárctida das suas principais ameaças, incluindo os efeitos adversos das alterações climáticas.
“Admiro muito o trabalho do Antarctica2020 e a sua dedicação ao ‘continente branco’ [a Antárctida, que é maioritariamente constituída pela sua extensa camada de gelo] e à sua fauna”, refere a chilena ao PÚBLICO. “Nunca imaginei que eles pudessem considerar-me” para apoiar o trabalho de consciencialização para os problemas da Antárctida e a necessidade de a conservar, afirma. “Isso significa muito para mim.”
Um novo recorde
Em Fevereiro do ano transacto, a nadadora precisou de apenas 15 minutos e três segundos para, percorrendo uma milha (1,6 km), atravessar o turbulento estreito de Drake, que divide a Antárctida da América do Sul. A valentia valeu-lhe um lugar no livro de recordes do Guinness, em que este é descrito como tendo sido, até hoje, a mais rápida performance de uma milha alguma vez realizada nessa região.
Agora, esta performance de 2,5 km terá sido a mais longa alguma vez conseguida na Antárctida. O site da International Ice Swimming Association tem um separador de recordes no que toca a feitos de nadadores em águas gélidas. Tendo em conta que as braçadas da chilena no último domingo ainda não aparecem na base de dados, os resultados que surgem quando a pesquisa é restringida à região da Antárctida mostram que a distância mais longa foi 2,28 km, em 41 minutos e 14 segundos (registo pertencente à indiana Bhakti Sharma, que o conseguiu em Janeiro de 2015).