Salman Rushdie volta após “ataque colossal” e planeia sequela para Joseph Anton

O escritor foi esfaqueado em Agosto e ficou cego do olho direito e com uma mão debilitada. “Só escrevo mais lentamente. Mas vou lá”, diz na primeira entrevista desde o ataque.

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Rushdie em 2012, numa sessão sobre Joseph Anton: Memórias Olivier Douliery/MCT
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Manifestação de apoio ao escritor SARAH YENESEL/EPA

Salman Rushdie foi esfaqueado no pescoço e no tronco em Agosto do ano passado, um ataque que agora descreve como “colossal” mas que não o impediu de lançar o seu novo livro este mês. Numa entrevista à revista New Yorker, publicada esta segunda-feira, o escritor fala pela primeira vez sobre o seu sentimento de “gratidão” e diz: “Já estive melhor. Mas, tendo em conta o que aconteceu, não estou assim tão mal.” Tem um novo livro em mente, uma sequela de Joseph Anton: Memórias (2012), que forçosamente versará sobre o ataque de 2022.

O autor de Os Versículos Satânicos ficou sem ver de um dos olhos e inicialmente sem poder usar uma das mãos depois de um homem, Hadi Matar, o ter atacado quando dava uma palestra nos EUA sobre liberdade artística, ao que tudo indica ainda por causa da fatwa decretada pelo ayatollah Khomeini há 34 anos — Matar, americano e libanês, disse na altura que via Rushdie como “alguém que atacou o islão, que atacou as suas crenças”. Foi acusado de tentativa de homicídio.

Rushdie está a pensar numa sequela para Joseph Anton: Memórias — o livro que, como descreveu o PÚBLICO em 2012, é uma “obra centrada no período em que deixou de ser Salman, estrela literária que, em 1981, ganhara o Booker Prize com Os Filhos da Meia-Noite, para se tornar apenas Rushdie, ser maldito que poderia render milhões de dólares a quem o matasse”. A ideia da sequela inicialmente irritou-o, por sentir que estava a ser movido pelo ataque. “Como se me estivessem a forçar — o ataque exigia que eu escrevesse sobre o ataque.”

Mas a ideia tem vindo a ganhar forma. Não será algo tão distanciado, usando uma voz na terceira pessoa como fez no livro autobiográfico de 2012. “Acho que quando uma pessoa nos enfia uma faca, isso é uma história na primeira pessoa.”

Explica que já consegue usar a mão afectada, mas que é difícil escrever, manualmente ou num teclado, por ter perdido o tacto em algumas pontas dos seus dedos. “Os ferimentos maiores, basicamente, sararam. Sinto o meu polegar e o meu indicador e a metade inferior da palma [da mão]. Estou a fazer muita fisioterapia à mão e dizem-me que está a correr muito bem”, disse na longa entrevista ao jornalista e director da New Yorker, David Remnick. “Sempre tentei muito não adoptar o papel de vítima.”

“Consigo levantar-me e andar. Quando digo que estou bem, quer dizer… há partes do meu corpo que precisam de revisão constante. Foi um ataque colossal.” Quanto à visão, o seu olho direito ficou cego depois de ter sido esfaqueado. Lê num iPad que lhe permite calibrar a luminosidade e o tamanho da letra. O rosto, descreve Remnick, tem cicatrizes do lado direito. A fala continua “fluente como sempre, mas o seu lábio inferior descai num dos lados”.

A escrita, que é o seu trabalho, foi afectada mas apenas na mecânica. “Só escrevo mais lentamente. Mas vou lá.”

O autor, cujo novo livro Victory City é uma história épica de uma mulher, Pampa Kampana, que ganha poderes divinos e dá vida a um império fantástico no sul da Índia do século XIV intitulado Bisnaga, descreve uma espécie de stress pós-traumático após o ataque público de que foi vítima. “Houve pesadelos, não exactamente sobre o incidente, mas simplesmente assustadores. Mas parecem estar a diminuir.” Questiona-se se o novo livro poderá ser lido sem o filtro do ataque que precedeu o seu lançamento, apesar de nada ter a ver com fatwas.

Victory City foi escrito durante a pandemia e terminado em Julho do ano passado, tendo já sido revisto antes do ataque. Não vai ter uma digressão promocional, mas o autor quer ir a Londres para a estreia da sua peça Helen, sobre Helena de Tróia, que escreveu durante a pandemia. Já tinha um novo livro em mente quando preparava a palestra na qual foi atacado, tendo algumas notas sobre ideias em torno da linguagem naturalista de A Montanha Mágica, de Thomas Mann, e O Castelo, de Franz Kafka. Está posto de parte, para já.

Sobre os seus planos futuros, é pragmático. “Não estou a pensar a longo prazo. Estou a pensar de pequeno passo a pequeno passo.” Mas abandonar a escrita não é possível. “Não tenho mais nada para fazer. Gostava de ter uma segunda competência, mas não tenho. Sempre invejei escritores como Günter Grass, que tinha uma segunda carreira como artista visual.”

“Desde que haja uma história que eu pense ser merecedora para lhe dedicar o meu tempo, fá-lo-ei. Quando tenho um livro na cabeça, é como se o resto do mundo estivesse com a sua forma correcta.” Admite: é “deprimente” ter dificuldades quando quer escrever, mas não desiste.

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