Os números enviados ao PÚBLICO pelo Ministério do Ambiente e da Acção Climática (MAAC) dizem que, até ao último dia 20 de Janeiro, Portugal tinha quatro comunidades de energia renovável (CER) ou autoconsumos colectivos (ACC) a funcionar em pleno. Este número está, muito timidamente, a crescer, mas continua a ser magro, considerando que, também até 20 de Janeiro, tinham já sido “submetidos 372 processos de licenciamento” destes projectos de produção comunitária e autoconsumo de energia solar.
Destes 372 processos, 95 já “obtiveram aprovação da Direcção-Geral de Energia e Geologia [DGEG] e de viabilidade técnica” por parte da distribuidora de energia E-Redes. “Dos 95 registos aprovados, solicitaram certificação quatro autoconsumos colectivos, que se encontram em exploração”, relata o MAAC.
Há pouco mais de dois meses, o MAAC disse ao PÚBLICO que, no final de Outubro, “encontravam-se certificados três ACC/CER” e havia “170 processos [de licenciamento] iniciados”. O número de pedidos para constituir ACC ou CER tem, portanto, vindo a crescer muito. Mas são muito poucos os projectos já materializados — embora haja promessas de que o cenário comece a mudar de figura.
A primeira comunidade de energia renovável em Portugal foi lançada no Verão de 2021, pela Cleanwatts. Quando, no final de Novembro, o PÚBLICO ouviu esta empresa, criadora e gestora destes projectos, o seu vice-presidente e co-fundador, José Basílio Simões, lamentava a lentidão com que se estava a responder aos diferentes pedidos de licenciamento. “Estamos nisto há dois anos, já era tempo de haver mais agilidade na aprovação destes processos”, referiu então.
Agora, Basílio Simões mostra-se mais esperançoso. “Felizmente, nos últimos tempos temos assistido a uma resposta mais célere e dinâmica da parte da DGEG. Desde o início do ano, já vimos mais de uma dezena de comunidades a serem aprovadas, o que nos parece [ser] um sinal muito positivo de que o processo está a andar e de que as coisas começam, finalmente, a estar em marcha”, afirma ao PÚBLICO.
Projectos não saem do papel
“No entanto, não podemos esquecer que uma comunidade de energia só está efectivamente aprovada depois do licenciamento da E-Redes, que é a fase final do processo. Esta última fase — que é também responsabilidade da DGEG — não pode ser descurada, pois, até estar concluída, não há licenciamento definitivo”, acrescenta.
“É preciso que a aprovação da E-Redes ande também, pois neste momento está parada e não temos feedback de que as coisas estejam prontas para começar a andar nesta última fase”, diz.
Para que um grupo de pessoas, individuais ou colectivas, possa avançar com a concretização de uma CER ou um ACC, primeiro é preciso fazer uma “comunicação prévia” à DGEG, que “avalia se a unidade [de produção de energia renovável] pode ou não ser instalada no local pretendido”, explica ao PÚBLICO Paulo Nogueira, da Agência para a Energia (Adene).
A E-Redes também tem de intervir. Tem várias funções, entre elas as de, em determinados casos, perceber se “se consegue ou não receber o excedente” — isto é, a energia que os produtores descentralizados geram, mas não chegam a consumir.
Assim, quem quer ter uma comunidade de energia ou um autoconsumo colectivo precisa da intervenção de ambas as entidades para tirar os projectos do papel.
“A DGEG já iniciou muitos dos processos que estavam com algum atraso”, garante Paulo Nogueira, que na Adene coordena a pasta que versa sobre transição energética. “Alguns destes processos estavam parados na E-Redes”, acrescenta.
Paulo Nogueira diz que vai ser preciso um “grande investimento” para a E-Redes aumentar a sua capacidade de absorver a energia que vem destes projectos colectivos. Se este investimento não se materializar, diz, Portugal nunca terá um número muito grande de comunidades de energia.
Somar mais cinco mil pedidos
Ao PÚBLICO a E-Redes garante que “tem cumprido os prazos” — aproveitando para dizer que, ao mesmo tempo que tem de dar resposta aos pedidos para constituir ACC ou CER, também “entram na E-Redes aproximadamente cinco mil pedidos mensais de autoconsumo individual”, em que uma só pessoa instala painéis solares para produzir localmente e consumir energia.
A E-Redes diz que, até ao momento, soube da aprovação de 65 autoconsumos colectivos. A distribuidora já se pronunciou sobre 60 destes 65, “estando os restantes cinco em fase de análise, por se tratar de processos mais recentes”.
Segundo a E-Redes, 59 dos 60 projectos relativamente aos quais já se pronunciou “têm condições técnicas para avançar sem restrições”. Apenas um foi aprovado com restrições, por questões técnicas e de segurança de pessoas e bens. A distribuidora de energia aguarda “esclarecimentos adicionais” e que “outras entidades” façam uma “revisão da componente técnica” dos projectos.
A E-Redes disse não ter neste momento “processos pendentes”.
O PÚBLICO perguntou ao MAAC o porquê de os números da E-Redes (“65 colectividades de autoconsumo”) diferirem dos do Governo, que diz serem 95 os processos de licenciamento que já “obtiveram aprovação da DGEG e de viabilidade técnica” por parte da distribuidora de energia.
“A discrepância apontada refere-se aos processos cuja consulta ao operador de rede (E-Redes) está dispensada em fase de registo” dos mesmos, “sem prejuízo da intervenção da E-Redes em fase posterior, em particular na obtenção do certificado de exploração”, que habilita os projectos a iniciarem o seu funcionamento, “e no início da exploração”, respondeu o Governo.
Nos casos em que as unidades de produção de energia solar já existam (imagine-se que um autoconsumidor individual quer integrar uma comunidade de energia ou um ACC) e já tenham obtido “o direito de injectar na rede uma determinada potência”, a E-Redes não tem de emitir um novo parecer quanto à sua capacidade de receber o excedente, explicou a distribuidora de energia ao PÚBLICO.
Se em causa estiverem novas instalações de produção de energia que injectem na rede não mais do que 30 quilowatts, a apreciação também “será sempre positiva”, acrescentou a E-Redes. “Para estas situações, podemos interpretar que a pronúncia ‘está dispensada.’”
Governo promete “redução de prazos”
No final de Novembro, quando a DGEG estava a ser criticada pela falta de “agilidade” na aprovação dos processos de licenciamento, o MAAC disse ao PÚBLICO que estava a ser desenvolvida uma ferramenta informática que iria, justamente, “agilizar o processo de licenciamento” das comunidades de energia renovável e projectos de autoconsumo colectivo.
“A tramitação de processos de licenciamento está parcialmente informatizada, o que será alvo de progressiva melhoria. A equipa da DGEG foi também reforçada recentemente. Essas melhorias, a par com o processo de aprendizagem dos promotores de ACC e CER relativamente aos procedimentos de licenciamento, traduzir-se-ão numa redução de prazos”, informa agora o MAAC.
Enquanto o Governo garante estar a trabalhar para ser mais rápido a dar resposta, a Coopérnico está a ajudar os seus cooperantes a “apostarem em projectos de autoconsumo colectivo”. Di-lo Ana Rita Antunes, coordenadora executiva desta cooperativa portuguesa que é uma distribuidora de energia limpa.
“Se um cooperante nos contactar e perguntar, por exemplo, qual é a melhor forma de abordar esta questão do autoconsumo colectivo no seu prédio, nós ajudamos”, refere, acrescentando que a Coopérnico procura manter os seus cooperantes a par de todas as questões legislativas relevantes.
“Ainda não apoiamos investimentos — temos de encontrar um modelo para isso —, mas ajudamos a comparar orçamentos, vender o excedente à rede... Neste momento, estamos a ajudar os cooperantes a desenvolverem as candidaturas ao apoio do Fundo Ambiental”, diz Ana Rita Antunes.
O apoio a que se refere visa financiar a concretização de mais comunidades de energia e autoconsumos colectivos. A sua dotação é de 30 milhões de euros e está a aceitar candidaturas até 17 de Fevereiro (o prazo foi recentemente prolongado).