Aconchego-me um pouco mais nos lençóis e fico ali no limbo, meio adormecida, meio acordada. Nessa altura, viajo sempre para lugares longínquos, diferentes. O mesmo acontece quando leio um livro e me embrenho na história. Nem sempre as minhas viagens são reais, mas são, sem dúvida, a minha inspiração para a vida.
Desde que me lembro de ser gente que sonho com viagens. Os mapas fascinavam-me e ansiava poder estar fisicamente nos países por onde passeava os dedos. Os meus pais incentivaram-nos a isso levando-nos para todo o lado, fosse um simples passeio ao país vizinho, a África do Sul ou até “pequenos” grandes percursos de carro por Moçambique. Um que nos ficou bem gravado foi a grande aventura que empreendemos de Maputo a Mocuba na Zambézia, uma viagem de 1700 quilómetros. Convém mencionar que a estrada nacional era mais uma picada do que uma estrada e a viatura utilizada era um Mercedes. Mas não, não era um jipe Mercedes, mas sim um ligeiro.
Quando chovia havia zonas impossíveis de atravessar numa viatura deste género carregada com sete humanos. Impalas atravessavam saltitando à frente do carro e cudos e macacos alimentavam-se junto à estrada. Na ida ficamos atolados, não percebemos os sinais de luzes que um camião em sentido contrário, igualmente atolado, nos fizera. Foi ao entardecer e a noite cai rápido em África. Para desenterrarmos o carro contámos com a cooperação do camionista e ajudantes. Auxiliámos como pudemos: todos colhemos ramos dos arbustos mais próximos ignorando o facto de os mesmos serem os famosos feijão-macaco, causadores de comichão incontrolável. Podem imaginar a coceira que foi naquela viatura até conseguirmos, noite avançada, chegar ao hotel na Beira sujos de lama, cansados e comichosos.
Mais à frente fizemos a maior travessia de que me recordo, a travessia do rio Zambeze em batelão, de Chupanga a Mopeia, bem ao estilo de África Minha, com paisagens deslumbrantes. Tomámos o mata-bicho numa cantina junto à estrada onde devorámos aqueles que nos pareceram os melhores bifes com batatas fritas e ovos estrelados do mundo, um luxo em plena savana!
Há gente que, em cada início de ano, faz listas de desejos intermináveis para os 12 meses que se avizinham, ou listas de países a visitar, ou até actualizam as suas famosas bucket lists, para usar estrangeirismos que, diga-se de passagem, estão muito na moda. Não sou adepta desse tipo de listas. Não colecciono viagens, mas sim experiências, portanto vou onde me é possível ir num dado momento. Nem sempre os ordenados e os gastos se alinham para poder empreender viagens grandes, nesse caso, viro-me para as mais pequenas, as escapadelas.
Viajei o suficiente para perceber que todos os países têm algo de especial para oferecer, seja de bom ou de mau. Viajando desemburra-se bastante, alargamos os horizontes e entendemos que todos somos importantes apesar de fazermos as mesmas coisas de forma dissemelhante. Aprende-se a respeitar e a reconhecer as diferenças, crescemos e, quando regressamos a casa — e é bom termos um lugar a que chamamos casa para retornar — vimos mais felizes e encaramos o nosso dia a dia de forma distinta. Acredito que viajar é um dos melhores investimentos que podemos fazer em nós próprios e um dos poucos que nos deixa ricos (mas sem dinheiro!).
Já escrevia Martha Medeiros (num poema atribuído a Pablo Neruda por engano): “Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música…”