Relação absolveu autarcas de Penamacor no caso da viagem a Istambul

Duas juízas entenderam que viagem a Instambul foi acção de formação e que não havia a certeza de que os arguidos conheciam a parte lúdica do programa. A terceira votou contra.

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Autarcas de Penamacor participaram numa viagem polémica a Istambul Nelson Garrido

O Tribunal da Relação de Coimbra confirmou na semana passada a sentença que absolveu o presidente e o ex-vice-presidente da Câmara de Penamacor, ambos do PS, da prática do crime de recebimento de vantagem indevida por terem participado numa viagem a Istambul, em 2015, a convite de uma empresa de informática. O dono da empresa, que estava acusado pelo mesmo crime, foi igualmente absolvido. Decisão foi aprovada por duas das juízas do colectivo, tendo a terceira votado contra e emitido um “voto de vencido”.

O recurso apresentado pelo Ministério Público (MP) contra a sentença proferida anteriormente pelo tribunal de Castelo Branco foi rejeitado com base no princípio in dubio pro reo, “por não ter resultado apurado se quando aceitaram o convite que lhes foi enviado para participarem no dito encontro de utilizadores [de produtos desenvolvidos pela empresa anfitriã] lhes foi apresentado o programa para ele delineado ou se por outra forma tiveram os mesmos conhecimento da componente de lazer e/ou lúdica que, ainda que não predominantemente, o mesmo também assumiu”.

De acordo com as desembargadoras Maria José Guerra e Helena Bolieiro, subsiste, por isso, a dúvida “sobre se, ao aceitarem participar nesse encontro, com as despesas de deslocação para e no estrangeiro e de alojamento pagas pela dita empresa, previram ou sequer representaram que estavam a receber uma vantagem que lhes não era devida”.

O acórdão considera também que o “principal objectivo da viagem” paga pela empresa ANO a 24 autarcas (do PS e do PSD) e dirigentes de serviços de 16 municípios foi a realização de “sessões formativas”, pelo que “não pode afirmar-se que os arguidos António [Beites] Soares e Manuel Robalo (presidente e ex-vice-presidente da Câmara de Penamacor, respectivamente) usufruíram de um benefício, muito menos susceptível de afectar a sua capacidade decisória”.

Já quanto ao aspectos lúdicos da viagem, o tribunal entende que os mesmos “se enquadram nos usos e costumes da área de actuação da empresa ANO, afigurando-se como uma conduta socialmente adequada (...)” Ainda assim, o acórdão nota que “se, por um lado é benéfico que os dirigentes políticos se abstenham de comportamentos que minem a confiança dos cidadãos nas instituições, por outro, nem todas as condutas que, aparentemente, possam causar desconfiança na população, devem ser censuradas pelo direito penal (...)

Entendimento diferente do caso teve a desembargadora Rosa Pinto, que, no seu “voto de vencido”, além de considerar “provado” um facto que o acórdão dá como “não provado”, rebate a tese de que existem dúvidas quanto ao facto de os dois autarcas conhecerem previamente as componentes lúdicas do encontro de Istambul. “Para além de não ser credível que alguém embarque numa viagem de quatro dias para Istambul sem saber o que vai fazer, isto é, sem conhecer o programa da viagem, mesmo que assim fosse, também não é credível que os arguidos tenham pensado que iriam apenas frequentar uma acção de formação que poderia ser realizada em Penamacor ou noutra parte do nosso país”.

Na sua declaração de voto, a juíza cita um acórdão da Relação de Évora - que confirmou em Setembro passado a condenação de um técnico da Câmara de Ferreira do Alentejo por ter participado na mesma viagem -, onde os juízes escreveram: “Não vemos como a organização de um programa de quatro dias que inclui, entre o mais, uma viagem a Istambul, com alojamento em hotel, um cruzeiro no Bósforo, uma visita ao Bazar Egípcio, um jantar surpresa, possa ser entendida como um evento com intuitos formativos na área da informática.”

Em vários tribunais do país estão em curso outros processos em que são arguidos outros dos participantes na viagem a Istambul. Falando à agência Lusa na semana passada, António Beites declarou que “foi feita justiça”. O autarca, que está a ser investigado noutros processos, foi acusado pelo MP, em Novembro, de forjar um contrato para favorecer uma empresa da família da sua actual vice-presidente, Ilídia Cruchinho.

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