Um projecto de lei para reforçar os direitos dos animais em Espanha está a provocar divisões dentro da base eleitoral do Partido Socialista no poder, depois de os cães de caça terem sido retirados do âmbito da mesma.
A proposta tem como objectivo acabar com o abate e abandono dos animais de companhia, mas quer também reformular o tratamento das espécies domésticas e selvagens em cativeiro, ambicionando, à luz do que aconteceu nos Estados Unidos, proibir a venda de animais de estimação em lojas, converter os jardins zoológicos em centros de recuperação da vida selvagem e impor penas de prisão para os infractores.
Mas depois de um protesto nas zonas rurais, que historicamente representam uma base eleitoral importante para o Partido Socialista do primeiro-ministro Pedro Sánchez, houve um recuo. Espanha tem eleições marcadas para o final de 2023 e os socialistas temiam que a inicial inclusão dos cães de caça na lei pudesse empurrar a população rural para os partidos de direita.
Como solução, apresentaram uma alteração de última hora e deixaram estes e outros animais envolvidos nas actividades rurais tradicionais fora do projecto, defendendo que as normas relativas ao bem-estar animal abrangem apenas os domésticos e não os que são utilizados para actividades profissionais, escreve a Europa Press. Assim sendo, os animais utilizados nas touradas e para experimentação científica ficaram de fora da lei.
Caçadores estão contra
No entanto, o projecto ainda inclui outras medidas que os caçadores e criadores de cães dizem ser quase impossíveis de cumprir. Além de terem que vacinar e treinar os animais de estimação, incluindo cães, para evitar que magoem outras espécies, têm de ter licenças para fazerem criação, sendo que as multas para quem não as tiver variam entre os 500 e dez mil euros, escreve o El País.
A obrigatoriedade de esterilizar todos os gatos de exterior e os cães que são acolhidos por associações de protecção também faz parte da lista, assim como a proibição de abate se existir a possibilidade de tratamento paliativo.
A Real Federação Espanhola de Caça, que representa 337 mil caçadores, tem expressado descontentamento perante os avanços e recuos e diz mesmo que algumas secções da proposta, como os treinos e as licenças, colocariam em risco a continuidade da caça, indústria que gera mais de cinco mil milhões de euros por ano em actividades económicas, segundo dados da consultora Deloitte.
"Preocupamo-nos muito com as zonas rurais, entendemos a caça", afirmou a deputada socialista Begoña Nasarre, que é também presidente da câmara de uma aldeia no Nordeste do país, numa sessão da comissão no Parlamento. "Queremos legislar para todos", acrescentou.
Para aprovar a legislação no Parlamento, os socialistas contam com os votos dos partidos nacionalistas catalão e basco e do parceiro de coligação Podemos, que tem o apoio do eleitorado urbano de esquerda preocupado com o bem-estar animal. Apesar de ter concordado com o projecto de lei como um todo, o Podemos não aceitou a retirada dos cães de caça e propõe agora que se excluam apenas os que ainda são utilizados nesta actividade.
Sergio Garcia Torres, membro deste partido e autor do projecto de lei, diz que os socialistas devem voltar atrás na decisão de retirar os cães de caça, já que esta poderá não passar numa sessão parlamentar de Fevereiro. "Esperamos que o Partido Socialista retorne ao consenso. Não há garantias de apoio parlamentar para fazer avançar a lei se excluirmos os cães de caça", afirmou.
Segundo o político, se o projecto de lei não abranger os cães de caça, a lei não irá responder às causas profundas do abandono animal. Em 2021, os números chegaram aos 167 mil animais abandonados, com muitos a serem deixados no final da época de caça, revela a fundação Affinity.