Música e imagem em Alvalade: Bowie, Caetano, Gal, Bethânia e Gilberto, a Islândia
Boombox é o ciclo de cinema que o Alvalade CineClube programa em Fevereiro no Cinema Fernando Lopes. Os anos 1970 dos Doces Bárbaros e Moonage Daydream em destaque (e uma avó islandesa).
Uma inesperada e tardia música de culto islandesa e outro islandês, bem mais novo, à procura de respostas para essa condição de nascer e estar vivo. Respigadores e escultores do som, todo o som que nos rodeia, segundo a segundo e todos os minutos da nossa existência. Um bando de músicos à solta, a espalhar magia e esperança no Brasil da ditadura militar. E outra lenda, esta bem mais que de culto, um músico que moldou, transformou e se fez uma das mais admiradas, reverenciadas e seguidas figuras da cultura pop – e além dela, não é assim, Major Tom?
Cinco filmes, então, para o novo ciclo de cinema organizado pelo Alvalade CineClube, responsável anteriormente por ciclos como América 70, Senhor do Adeus ou Voltar à Terra, entre outros. Sob o título Boombox, passará no Cinema Fernando Lopes, em Lisboa, durante o mês de Fevereiro, sempre às quintas-feiras.
Início dia 2, com Soa, de Raquel Castro, seguindo-se em sessão dupla When We Are Born, de Vincent Moon, sobre Ólafur Arnalds, e Grandma Lo-fi, que acompanha Sigridur Nielsdottir, musica islandesa com carreira iniciada aos 70 anos (dia 9). A 16 de Fevereiro, oportunidade para reencontrar um momento mítico da música brasileira, com Doces Bárbaros, de Jom Tob Azulay, e, dia 23, o encerramento em grande com o Moonage Daydream, o documentário de Brett Morgen, estreado o ano passado e que esteve em sala uma parca semana, mergulho imersivo no pensamento, estética e música de David Bowie. Todas as sessões às 21h, bilhetes a três euros para não-sócios e a um euro para sócios do cineclube (e acompanhante).
O ciclo arranca com o filme que, em termos puramente sonoros, será o mais abrangente, aquele que a realizadora e investigadora Raquel Castro, criadora do festival Lisboa Soa, estreou em 2020, um filme ensaio em que músicos, artistas e investigadores sonoros como Akio Suzuki, Angus Carlyle ou Bill Fontana, entre muitos outros, mergulham, registam, transformam e reflectem sobre os sons que nos rodeiam, audíveis ou subliminares. Soa é sobre o som como matéria que molda o que somos enquanto indivíduos e enquanto sociedade, interpelando questões de cidadania, arquitectura, ecologia ou urbanismo.
Terminaremos, quatro semanas depois, com o celebrado Moonage Daydream, que em Setembro passado se mostrou durante poucos dias nas salas portuguesas. Oportunidade, então, para o reencontro com um filme que, tendo em conta a diversidade de documentários, exposições e livros que foram sendo dedicados a David Bowie ainda em vida e mais ainda após a sua morte a 10 de Janeiro de 2016, consegue o feito de nos mostrar “o ‘verdadeiro’ Bowie por trás das fachadas camaleónicas”, com recurso exclusivo “às palavras ditas pelo próprio, colhidas em entrevistas feito ao longo dos anos, sem voz off nem intervenções de outros”, como descrito na crítica publicada no Ípsilon em Setembro.
Entre Soa e Moonage Daydream, surge no Boombox um documentário histórico, Doces Bárbaros, de Tom Job Azulay, estreado em 1977 e que nos mostrava o palco e os bastidores da digressão que, no ano anterior, juntara Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil e Gal Costa. O propósito oficial seria assinalar os dez anos de carreira que todos celebravam naquela altura, mas a digressão era também um manifesto de criatividade e de liberdade perante a violência da ditadura militar brasileira.
No decorrer da digressão, Gil foi preso por pose de marijuana e forçado ao internamento numa clínica de desintoxicação, de onde saía apenas para os concertos. A esta distância, o reencontro com as luminosas invenções do tropicalismo dos anos 1970 será também forma de recordar essa figura ímpar que foi a recentemente falecida Gal Costa.
Fruto de uma parceria com o Arquivo Nacional de Cinema da Islândia chegam os dois filmes que compõem a sessão de 9 de Fevereiro. Grandma Lo-fi conta a terna e surpreendente história de Sigridur Nielsdottir. Em 2001, aos 70 anos, começou a gravar canção após canção em casa. Com um pequeno órgão Casio, percussão improvisada e um gravador de cassetes, acumulou mais de 600 composições, distribuídas pelos 59 álbuns editados até à sua morte, 10 anos depois. A sua música seria levada a palco por bandas islandesas como os Múm e a sua história registada em película Super 8 e 16mm por Orri Jónsson, Kira Kira e Ingibjörg Birgisdóttir.
A acompanhá-lo na sessão dupla estará When We Are Born, do francês Vincent Moon, que persegue, durante um Verão islandês, o que se esconde por trás da música do álbum que dá título ao filme, editado em 2020 por Ólafur Arnalds.