O ano de 2015 foi o quarto ano mais quente registado. Na Europa, milhares de pessoas morreram devido às altas temperaturas no Verão. Agora, um novo estudo científico conseguiu associar o excesso de calor urbano à causa da morte prematura de 6700 pessoas, em 93 cidades europeias, incluindo Lisboa e Porto, durante os meses de Junho, Julho e Agosto de 2015.
Mas a equipa também oferece uma resposta, pelo menos parcial, para este excesso de mortalidade. Através de modelos, os investigadores concluíram que, se fossem plantadas árvores de modo a haver uma cobertura vegetal de 30% da área das cidades, o efeito de arrefecimento provocado pelas árvores evitaria a morte de 2644 pessoas, quase 40% do total daquelas 6700 pessoas. O estudo foi publicado nesta terça-feira à noite, na revista The Lancet.
“Encorajamos as cidades a fixarem uma meta de 30% de cobertura de árvores em toda a região urbana para que toda a população possa beneficiar disso”, explica Mark Nieuwenhuijsen, investigador do Instituto para a Saúde Mundial de Barcelona e último autor do estudo publicado agora, numa troca de emails com o PÚBLICO.
O efeito de ilha de calor urbano está estudado. Com a sua alta densidade de prédios, com os solos cobertos de asfalto e cimento, com a falta de árvores em muitas regiões urbanas, as cidades atingem frequentemente temperaturas mais altas do que as regiões naturais à sua volta. O efeito é sentido ainda mais depois de o Sol se pôr, basta recordar o calor que emana das paredes dos prédios à noite, após um dia tórrido de Verão.
No caso de Lisboa e do Porto, o efeito de ilha de calor foi, respectivamente, de 0,58 e 1,12 graus Celsius no Verão de 2015, de acordo com o cálculo dos autores. Ou seja, durante aqueles meses, aquelas cidades viveram temperaturas 0,58 e 1,12 graus mais altas, em média, do que o seu entorno. Mas houve cidades com efeitos de ilha de calor muito mais pronunciados, como Atenas e Salónica, na Grécia, de 2,4 e 2,76 graus.
No entanto, as árvores podem combater o excesso de calor urbano devido à sombra que fazem e à evapotranspiração. “Muitas cidades já determinaram esta meta dos 30%”, lê-se no artigo, que justifica o uso daquela percentagem. “Uma directriz elaborada a partir de provas [obtidas] recomendou a cobertura de árvores de 30% em cada bairro para arrefecer, melhorar o microclima, mitigar a poluição atmosférica e sonora, e melhorar a saúde mental e física.”
A cobertura de árvores de várias cidades europeias é muitas vezes diminuta, principalmente nas cidades do Sul da Europa, algumas delas situadas em regiões semiáridas. No caso de Lisboa e do Porto, esta cobertura era respectivamente de 3,64 e 4,87% em 2015, de acordo com o artigo, ficando muito longe do valor de 30%. Já em Edimburgo, na Escócia, a cobertura de árvores atingia os 25,36%.
Resultados expressivos
A equipa escolheu estudar 2015 porque é o ano mais recente para o qual existe a informação disponível necessária para os seus cálculos, nomeadamente números da mortalidade da população para as pessoas acima dos 20 anos.
Ao todo, viviam cerca de 57,89 milhões de habitantes com mais de 20 anos nas 93 cidades europeias em 2015 e durante os três meses de Verão morreram 128.269 pessoas, no total. Para obter os valores das mortes associadas ao excesso de calor urbano e do que seria evitável com a cobertura de árvores, a equipa usou dois cenários. No primeiro, calculou o número de mortes se não houvesse efeito de ilha de calor urbano. No segundo, fez o cálculo tendo em conta o impacto do arrefecimento de cada cidade com a cobertura de árvores de 30%.
Os resultados em alguns casos são expressivos. Em Barcelona, onde se estima que tenham morrido 362 pessoas por causa das temperaturas altas, o aumento de cobertura de árvores evitaria a morte de 214 pessoas. Mas em casos como Lisboa e Porto o efeito das árvores é pouco expressivo, principalmente porque o número de mortes que os autores estimam por causa do excesso de calor urbano naquele ano foi de sete pessoas para as duas cidades.
Isto revela uma limitação do estudo: apontar apenas para o ano de 2015. “As estimativas exactas de mortalidade só se podem atribuir ao ano em referência”, lê-se no artigo. Se o estudo fosse sobre 2022, onde houve pelo menos 1065 mortes em excesso associadas à onda de calor em Julho, os resultados nas cidades portuguesas seriam provavelmente diferentes.
“O nosso objectivo final era gerar uma ideia alargada acerca dos benefícios que podem ser alcançados ao investir-se em infra-estruturas urbanas verdes”, lê-se no artigo. O argumento sai fortalecido quando se tem em conta o impacto das alterações climáticas no futuro: prevê-se que o calor poderá matar 90.000 europeus por ano no final deste século, no cenário de uma subida de três graus Celsius face aos tempos pré-industriais.
No entanto, a arborização das cidades pode apresentar desafios. A equipa defende que as árvores devem estar espalhadas por toda a cidade, chegando a todos os bairros e não discriminando as regiões periféricas, que muitas vezes são mais vulneráveis aos extremos climáticos. Mas nem sempre isso é fácil.
“Apesar de na maioria das cidades a cobertura de árvores de 30% ser uma meta exequível, temos consciência de que em algumas áreas urbanas compactas a meta vai exigir mais esforços”, refere Mark Nieuwenhuijsen. “Em alguns casos, os programas deverão incluir espaços abertos de propriedades privadas institucionais, industriais e administrativas para alcançar o objectivo. Além disso, quando os espaços abertos são raros, os tectos e as paredes verdes podem ser um complemento. Também poderemos necessitar de substituir asfalto por árvores.”