Portugal defende na UE continuação do transporte de animais vivos

Ministra da Agricultura apresentou posição em nome de vários países quando Comissão Europeia prepara revisão da legislação do bem-estar animal. Várias organizações pedem o fim deste “comércio cruel”.

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Adriano Miranda

A União Europeia (UE) está a rever a legislação sobre o transporte de animais vivos e os países dividem-se em dois campos. Portugal apresentou nesta segunda-feira no Conselho da Agricultura e Pescas da UE uma declaração em nome de vários países que defendem a necessidade da sua continuação. A posição é criticada por várias organizações focadas no bem-estar animal, que sublinham que esta posição vai em sentido contrário ao definido na estratégia do Prado ao Prado que defende o fim desta prática.

A declaração lida pela ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, em nome das delegações de Espanha, França, Grécia, Irlanda, Letónia e Roménia sublinha que “o transporte de animais vivos é fundamental para o funcionamento normal dos sectores de produção animal europeus”. Afirma ainda que “o objectivo primário da revisão da legislação deve ser a facilitação continuada do comércio e exportação intercomunitários em condições de elevado bem-estar animal, mas não focada em medidas destinadas a proibir ou limitar alguns tipos de transporte”.

Bulgária, Croácia, Estónia, Hungria, Itália, Polónia e República Checa deram também o seu apoio a esta declaração, e ao que a organização Compassion in World Farming [Compaixão na Agricultura Mundial] classifica, em comunicado, como “um comércio cruel”.

Sabia que...

Do total de 59.281 pessoas que contribuíram para a consulta pública sobre a revisão da legislação do bem-estar animal, que decorreu de 15 de Outubro de 2021 até 21 de Janeiro de 2022, 94% consideraram que a exportação de animais vivos para países fora da União Europeia devia ser proibida. 

Este documento surgiu no contexto do processo de avaliação da legislação europeia relacionada com o bem-estar animal que foi lançado pela Comissão Europeia, que deverá culminar, na segunda metade de 2023, na revisão da lei que criou o actual quadro para o transporte de animais por estrada, via aérea ou marítima, que é de 2005.

Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Agricultura sublinhou que não se opõe à revisão da legislação. Mas também não quer acabar com o transporte: “Portugal reconhece a importância do transporte de animais vivos nos sistemas de produção bem como da exigência na garantia de elevados padrões de bem-estar animal, seja por razões éticas, seja na prossecução dos objectivos do programa A uma só Saúde e da estratégia Do Prado ao Prato”, disse um representante do Ministério.

“Foi entendimento do Conselho de Ministros de Agricultura da UE pedir à Comissão Europeia a revisão da actual legislação à luz dos conhecimentos técnicos e científicos mais actuais”, adiantou ainda. “Portugal, e uma larga maioria dos Estados Membros, entende que devem ser asseguradas elevadas condições de bem-estar animal para o comércio de animais vivos dentro e fora da UE”, diz o Ministério da Agricultura.

"Rebaixar a ambição"

Mas organizações como a Compassion in World Farming criticam a posição dos países em que se inclui Portugal, por defenderem a continuação do transporte de animais vivos. “É absurdo ver como alguns ministros da UE falam em bem-estar animal ao mesmo tempo que dizem à Comissão Europeia para continuar como sempre. Hoje, fizeram tudo o que podiam para rebaixar a ambição da Comissão – ainda antes de terem sido tornadas públicas quaisquer propostas [de revisão]. Isto não parecerá bem aos milhões de cidadãos que pedem um fim a este comércio cruel”, disse, em comunicado, Olga Kikou, dirigente desta entidade que faz lobby pelo bem-estar dos animais.

Do total de 59.281 pessoas que contribuíram para a consulta pública sobre a revisão da legislação do bem-estar animal, que decorreu de 15 de Outubro de 2021 até 21 de Janeiro de 2022, 94% consideraram que a exportação de animais vivos para países fora da União Europeia devia ser proibida. Estas pessoas responderam a um inquérito no portal portal da União Europeia Have Your Say, através do qual cidadãos e empresas podem expressar as suas opiniões sobre novas políticas e leis em vigor da UE.

“Este é um ano crucial para a legislação do bem-estar animal na União Europeia, e as recomendações deste documento não lidam de forma alguma com os problemas do transporte de animais vivos a longas distâncias”, comentou, por seu lado, Joe Moran, director do gabinete de política europeia da Four Paws (Quatro Patas), outra organização da área.

“Quando os cidadãos na União Europeia esperam propostas ambiciosas sobre o bem-estar animal – incluindo a regulação do transporte de animais vivos – vemos uma pressão de alguns para continuar com o mesmo sistema problemático que tem falhado repetidamente”, acrescentou Joe Moran, citado num comunicado da Four Paws.

Países contra exportação

Mas há um grupo de países europeus que quer restringir do transporte de animais vivos: Alemanha, Áustria, Dinamarca, Luxemburgo e Países Baixos. “Não podemos continuar a ficar a ver os animais a sofrer ou a morrer em agonia durante longas viagens”, disse o ministro da Agricultura alemão, Cem Özdemir, citado num comunicado em Novembro.

Nessa altura, a Alemanha tomou medidas para reduzir ao máximo o transporte de vacas, ovelhas e borregos a nível nacional e anunciou que a partir de meados de 2023 deixarão de ser emitidos certificados veterinários para exportar estes animais, diz o site Euractiv. Mas isto não impede totalmente o transporte de animais para fora da UE: os exportadores ainda podem obter certificados através dos países ou empresas que recebem os animais.

Alternativas ao transporte de animais vivos são “o comércio de carne ou material genético”, salienta a declaração formalizada por Portugal. Estas devem ser seguidas “em paralelo, sempre que possível”, diz o documento. Frisa, as limitações: “Dada a sua complexidade, estas alternativas devem ser bem apoiadas. A falta de uma cadeia de frio em muitos países em desenvolvimento é apenas um dos factores de limitação bem conhecidos ao transporte e distribuição de carne”.