Camino de Costa Rica, 280km de beleza natural em nome do povo

Fundado por uma organização de desenvolvimento rural, o percurso leva caminhantes por florestas tropicais e territórios indígenas. Meta: trazer benefícios económicos para as comunidades locais.

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O guia indígena Osvaldo Martinez junto a um riacho no território Nairi-Awari, na Costa Rica Thomson Reuters Foundation/Tim Gaynor
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Caminho da Costa Rica DR
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Ponte suspensa
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El Playón
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Caminho da Costa Rica DR

Uma algazarra de chilreios irrompe e algumas bagas caem da copa da floresta, bem lá no alto, desalojadas por tucanos.

O guia indígena Osvaldo Martínez ​ baixa-se para as apanhar e pressiona-as na mão para libertar um cheiro pungente como a canela.

"Usamo-las para dar sabor a um pudim de arroz que fazemos", explica.

Membro da comunidade indígena Nairi-Awari, Martínez é um guia que conduz os intrépidos caminhantes através de uma das mais remotas e inacessíveis extensões de floresta tropical da Costa Rica, na cordilheira de Talamanca, a quilómetros da estrada mais próxima.

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O Caminho da Costa Rica é um trilho de 280 km que liga as linhas de costa das Caraíbas e do Pacífico do país da América Central DR/Caminho da Costa Rica

Caminhando em botas de borracha por entre raízes de árvores emaranhadas num trilho íngreme e lamacento, aponta uma árvore cuja casca é utilizada para tratar problemas de estômago, e identifica os gritos de papagaios que frequentam as florestas primitivas.

"A maioria dos clientes que vem fica-nos agradecida", diz sobre o seu trabalho de orientação num troço do Caminho da Costa Rica, um trilho de 280 km que liga as linhas de costa das Caraíbas e do Pacífico do país da América Central.

"Tratamo-los bem, mostramos-lhes a beleza da natureza, falamos-lhes um pouco da nossa cultura, das plantas medicinais, e dos animais", acrescentou.

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Pelo Camino da Costa Rica o avistamento de maravilhas é frequente dr

A Costa Rica, rica em natureza, que tem quase 6% das espécies animais e vegetais do mundo, é o país mais visitado da América Central, embora a maior parte do desenvolvimento turístico tenha permanecido em torno de cidades e parques ao longo da costa.

O Caminho, fundado por uma organização sem fins lucrativos de desenvolvimento rural, leva os caminhantes aventureiros a percorrer trilhos rurais através de florestas tropicais, florestas nebulosas, terras agrícolas e territórios indígenas, procurando trazer benefícios económicos para as comunidades remotas que aí vivem.

"Foi uma decisão lógica, uma vez que o dinheiro do turismo vai para zonas costeiras muito específicas e a maioria desses lugares são propriedade de estrangeiros", disse Conchita Espino, directora executiva da Mar a Mar, a associação que concebeu e construiu o trilho. "Planeámos um Caminho através de aldeias que precisavam realmente de uma nova fonte de rendimento", acrescentou.

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A Costa Rica tem quase 6% das espécies animais e vegetais do mundo e é o país mais visitado da América Central DR/Caminho da Costa Rica

Com as perdas da natureza a acelerar globalmente, quase 200 países acordaram uma meta ambiciosa numa conferência histórica sobre a protecção da biodiversidade em Dezembro: tentar preservar 30% da terra e dos oceanos do planeta até 2030.

Uma chave para tornar esse compromisso em realidade é assegurar que as comunidades que vivem em áreas naturais e nas suas proximidades encontrem formas de beneficiar das mesmas, dando novos incentivos para a sua protecção, dizem os especialistas em conservação.

Esta é uma prioridade na Costa Rica, que já tem cerca de um quarto do território em parques e reservas protegidas e que liderou um esforço bem-sucedido de reflorestação nacional que deixou mais de metade das suas terras arborizadas.

Mais rendimentos

O Caminho da Costa Rica foi inspirado pelo seu homónimo Caminho de Santiago, uma rota de peregrinação no norte de Espanha - que Espino percorreu em 2011 - e o Caminho do Corvo, um percurso pedestre de longa distância de costa a costa através do norte de Inglaterra.

Enquanto o trilho da Costa Rica está aberto desde 2018, a Mar a Mar utiliza o financiamento vindo de fundações e particulares para continuar a desenvolver infra-estruturas ao longo do caminho, concebido para levar cerca de 16 dias a completar.

A associação trabalha com residentes de territórios indígenas, reservas privadas, quintas e aldeias remotas para os ajudar a desenvolver pequenos negócios sustentáveis que ofereçam orientação, refeições e alojamento em pequenos hotéis e casas de família.

O rendimento adicional está a compensar a população local, num país onde cerca de 20% da população vive na pobreza, com os pobres concentrados nas zonas rurais.

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O percurso pedestre leva os caminhantes por trilhos rurais através de florestas tropicais, florestas nebulosas, terras agrícolas e territórios indígenas DR/Caminho da Costa Rica
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Fundado por uma organização sem fins lucrativos de desenvolvimento rural, procura trazer benefícios económicos para as comunidades remotas que aí vivem DR/Caminho da Costa Rica

Martínez ganha agora cerca de 80.000 colón (131€) para guiar cada grupo de caminhantes através das terras da sua comunidade indígena, ganhando cerca de 250 dólares (cerca de 230€) por mês no total.

Com o rendimento adicional, está a poupar para comprar um portátil e planeia terminar o ensino secundário, com a esperança de estudar economia na universidade.

"Antes do Caminho, cultivávamos colheitas para consumo próprio", disse. O trabalho adicional não só aumentou os rendimentos como também ajudou "as pessoas a estudar e a aprender". "Está a ajudar muitos jovens".

Através das íngremes montanhas cobertas de floresta na pequena cidade de Turrialba, Alejandro Montoya, de 22 anos de idade, também ganha a vida a partir do trilho, recebendo cerca de 1.700 dólares (1565€) por mês, mais gorjetas, numa região onde muitas pessoas sobrevivem com salários muito mais baixos a apanhar café ou a limpar casas.

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"Isto não é turismo de sol e praia. É um conceito muito diferente, e é por isso que me apaixonei pelo Caminho da Costa Rica", diz Alejandro Montoya DR/Caminho da Costa Rica

Ele trabalhou com o padrasto, Fabian, operador turístico, na procura de lugares para os caminhantes comerem e dormirem à medida que o trilho se desenvolvia, e agora, trabalhando com a empresa familiar ViaLig Journeys, ajuda os visitantes a organizar a logística e guia-os ao longo de um trilho que sobe até aos 7.100 pés (2164 metros de altitude) por uma densa floresta nebulosa.

"Isto não é turismo de sol e praia. É um conceito muito diferente, e é por isso que me apaixonei pelo Caminho da Costa Rica", disse.

"Gosto do facto de você (levar as pessoas) através de comunidades que foram pouco tocadas pelo turismo e contribuir para elas, quer economicamente quer trazendo um pouco de felicidade - porque nem tudo é dinheiro", disse.

As famílias locais "começam a sentir-se envolvidas, e começam a sentir que o Caminho também é delas".

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Membros do comité de Etnoturismo de Tsiöbata servem pratos tradicionais aos visitantes DR/Caminho da Costa Rica

Ávido ornitólogo, Montoya é hábil na detecção de tucanos, papa-moscas, honeycreepers, cucos, corujas, falcões e esquivos quetzais resplandecentes que assombram as altas florestas nebulosas.

Economizou para comprar uns binóculos para melhor exibir as aves e está a estudar para obter um diploma de turismo.

"Sinto que estou a fazer o que realmente gosto", disse. "Posso andar, observar aves, partilhar, conhecer novas pessoas. É o que eu gosto de fazer e isso deixa-me muito, muito feliz".

Melhorias em curso

Actualmente, a maioria dos caminhantes no Caminho são costa-riquenhos, cerca de 400 dos quais partem todos os meses para percorrer troços curtos, muitos deles da capital São José.

Mas após dois anos de disrupção devido à pandemia da covid-19, o caminho pedestre está agora também a atrair 40-50 estrangeiros por mês - um número que a Mar a Mar espera aumentar dez vezes ao longo dos próximos três anos.

A associação estima que os caminhantes estrangeiros gastem entre 65 e 150 dólares por dia (60-138 euros), dependendo do grau de apoio logístico de que necessitam, tais como orientação e transporte de bagagem.

Para melhorar a experiência dos caminhantes, a Mar a Mar está a trabalhar em estreita colaboração com os municípios e comunidades locais para melhorar o trilho, acrescentando sinalização e proporcionando formação e dinheiro inicial aos residentes ao longo do trilho para desenvolverem microempresas sustentáveis.

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"Não queremos que sejam construídos hotéis ao longo do Caminho. Queremos que sejam famílias locais a melhorar as suas cabanas, para que recebam 10 caminhantes por dia em vez de três", diz Conchita Espino DR/Caminho da Costa Rica

Também espera trabalhar com os Nairi-Awari para acrescentar três pontes suspensas e tornar a caminhada através do território acidentado mais acessível.

Mas "queremos mantê-lo muito autêntico e muito local". "Não queremos que sejam construídos hotéis ao longo do Caminho. Queremos que sejam famílias locais a melhorar as suas cabanas, para que recebam 10 caminhantes por dia em vez de três", disse ela.

Como o caminho pedestre faz cinco anos este ano, as mudanças já estão em curso.

Em Napoles, uma pequena comunidade nas montanhas, produtora de café, a cerca de 140 milhas (225 quilómetros) do início do trilho, várias mulheres da comunidade local estão a melhorar a sua oferta para os caminhantes.

Deram as boas-vindas aos seus primeiros visitantes dos Estados Unidos e da Dinamarca no início de 2021, e desde então têm vindo a acolher e a cozinhar refeições para um número crescente de caminhantes.

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Várias mulheres da comunidade local em Napoles estão a melhorar a sua oferta para os caminhantes DR/Caminho da Costa Rica

Os estafados visitantes costumavam passar a noite no salão da igreja local, mas agora ficam numa cabana aconchegante com longas vistas emolduradas pelas montanhas nubladas para o Oceano Pacífico.

"Estamos a procurar identificar outras formas de acolher os turistas. Poderíamos aprender inglês, vender-lhes produtos, oferecer-lhes excursões locais. Veremos o que podemos criar", disse Marianela Fallas Cordero, que, com as duas irmãs, está a borbulhar de ideias.

"É um sonho que queremos realizar", disse ela.


A Thomson Reuters Foundation é uma organização de beneficência da Thomson Reuters definindo-se como dedicada a “reportar as vidas de pessoas em todo o mundo que lutam para viver livremente ou de forma justa”.

Tradução: Mara Gonçalves

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