O que é que se está a passar com o povo indígena Yanomami no Brasil?

Presidente Lula da Silva decretou uma emergência de saúde pública e diz que foi cometido “um crime premeditado contra os Yanomami, cometido por um Governo insensível ao sofrimento do povo brasileiro”.

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Os Yanomami são um povo indígena com uma população que se calcula de 35 mil pessoas Reuters/AMANDA PEROBELLI

O garimpo ilegal e a sonegação dos cuidados de saúde ao povo indígena Yanomami produziram uma crise humanitária à qual o Governo de Lula da Silva está a tentar começar a dar resposta.

Quem são os Yanomami e o que está a passar com eles?

Os Yanomami são um povo indígena com uma população que se calcula de 35 mil pessoas, que vive em tribos relativamente isoladas na Amazónia, em florestas e montanhas no Norte do Brasil e Sul da Venezuela. No Brasil, a Terra Indígena Yanomami está localizada nos estados do Amazonas e de Roraima. Foi reconhecida em 1992, uma reserva com uma área contínua de cerca de 100 mil quilómetros quadrados.

Durante uma visita no passado fim-de-semana do Presidente brasileiro Lula da Silva e vários membros do seu Governo, a Boa Vista, em Roraima, foi declarada no território uma emergência de saúde pública de importância nacional. Este é o tipo de medida adoptado em epidemias como a covid-19, para termos uma percepção da gravidade situação.

Porque foi decretada uma emergência de saúde pública na Terra Indígena Yanomami?

“Mais que uma crise humanitária, o que vi em Roraima foi um genocídio. Um crime premeditado contra os Yanomami, cometido por um Governo insensível ao sofrimento do povo brasileiro”, afirmou Lula da Silva sobre a situação que encontrou e sobre a gestão anterior, do Presidente Jair Bolsonaro. Adultos com peso de crianças, crianças morrendo por desnutrição, malária, diarreia e outras doenças”, descreve.

“Os poucos dados disponíveis apontam que ao menos 570 crianças menores de cinco anos perderam a vida no território Yanomami nos últimos quatro anos, com doenças que poderiam ser evitadas”, enumera ainda Lula da Silva. Uma repórter da plataforma de jornalismo dedicada à Amazónia Sumaúma, relata ter visto uma criança Yanomami de três anos que pesava tanto como um recém-nascido, 3,6 quilos.

O que está por trás desta crise? Tem alguma coisa a ver com a destruição da Amazónia?

Sim. O garimpo ilegal (mineração), que é altamente destruidor, e foi muito incentivado durante o mandato do Presidente Jair Bolsonaro, que também desmantelou os organismos de controlo e fiscalização ambientais, é a principal causa desta crise humanitária.

Apesar de o garimpo ser ilegal na Terra Indígena Yanomami, muitos vão lá procurar ouro: em 2021, o garimpo ilegal avançou 46% em relação ao ano anterior, diz o relatório Yanomami sob Ataque, divulgado em 2022 pela Hutukara Associação Yanomami. Em 2021, a degradação chegou à marca de 3272 hectares, frente aos 2234 hectares de 2020.

O Sistema de Monitoramento do Garimpo Ilegal na Terra Indígena Yanomami, da Hutukara Associação Yanomami, mostra que está presente em 273 das 350 aldeias, com impactos em regiões ocupadas por 56% da população Yanomami, cerca de 16 mil pessoas.

“Toda essa crise é reflexo do garimpo e do garimpeiro, não tem como não ser. Nós temos cerca de 30 mil indígenas Yanomami e mais de 20 mil garimpeiros. Se não fossem os garimpeiros, os indígenas Yanomami certamente viveriam livres e autossuficientes como viviam antes”, disse secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Weibe Tapeba, citado pelo site da rede Globo (G1).

Como se caracteriza a crise de saúde entre os Yanomami?

Os Yanomami vivem em zonas de difícil acesso (normalmente só se chega lá de avião ou de barco), mas quando os garimpeiros chegam à zona das aldeias, põem em funcionamento uma engrenagem infernal, que começa com a doença e culmina na fome e na desnutrição.

Os garimpeiros trazem com eles doenças como a malária – entre 2018, quando disparou o número de garimpeiros ilegais no território, e 2021, os casos desta doença transmitida por um mosquito, que pode ser contraída múltiplas vezes, aumentaram 105%, relata a Sumaúma. “Se em 2014 foram 2928 ocorrências, em 2021 esse número saltou para 20.394”, enumera.

Crianças e velhos são frequentemente as vítimas que mais sofrem (ou morrem). Só em 2022, segundo o Governo brasileiro, 99 crianças Yanomami morreram – a maioria por desnutrição, pneumonia e diarreia, que são doenças evitáveis, diz o site G1. A estimativa é que, ao todo no território, 570 crianças morreram nos últimos quatro anos, na gestão de Jair Bolsonaro.

Além disso, muitos centros de saúde que prestavam cuidados aos Yanomami foram simplesmente encerrados – pelo Estado ou pelos garimpeiros, deixando-os sem acesso a tratamentos e apoio alimentar.

“Não tinha nem remédio, nem Novalgina, não chegava nada. As crianças estavam soltando vermes pela boca. Vai ter que começar do zero, tudo de novo. Os Yanomami foram jogados à própria sorte”, disse à Sumaúma um profissional de saúde que esteve várias vezes no território durante o último ano.

Os Yanomami foram abandonados e deixados à mercê da violência dos garimpeiros. O presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami, Júnior Hekurari, disse que que durante a missão do Ministério da Saúde nas comunidades de Cachoeira, Tirei e Hewetheú, região de Surucucu viu homens armados. “Nós [fomos], com a Força Aérea, e tinha garimpeiros ao redor [da comunidade] armados. Não senti medo, pois pelo menos ali, na presença da Força Aérea Brasileira, a gente fica protegido. Agora, imagina a situação dos parentes. Lá o garimpo causa medo e morte. Essa é a mais pura verdade”, disse, citado pelo G1.

Mas como é que o garimpo provoca desnutrição e doença dos povos indígenas?

Quando a doença varre uma comunidade, chega a fome a desnutrição, porque se muitas pessoas estão doentes, não podem ir trabalhar nas terras onde cultivam alguns alimentos, nem recolher frutos na floresta, caçar ou pescar.

A alimentação é posta em causa também pela contaminação do ambiente pelo mercúrio usado no garimpo para separar o ouro, que tem várias consequências graves. Este metal pesado, que persiste no ambiente durante cerca de 100 anos, contamina os peixes e outros animais dos rios que, ao entrarem na alimentação humana, se distribuem por todo o organismo.

Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de 2021, em que os cientistas recolheram amostras de peixes no rio Uraricoera, que cruza o território Yanomami, concluíram que, 60% dos peixes tinha níveis de mercúrio acima dos limites considerados aceitáveis pela Organização Mundial da Saúde, diz a Sumaúma.

A intoxicação por mercúrio pode provocar alucinações, convulsões, dores de cabeça e perdas de visão e audição, além de má-formação dos fetos e abortos espontâneos. Os bebés podem ter atrasos de desenvolvimento.

Enfraquecidos pelas doenças, para as quais não têm tratamento, e pela fome, por causa dos efeitos da doença e da poluição, os Yanomami são forçados a ir mendigar comida aos garimpeiros, que estão na origem dos seus problemas.